Coloco aqui minhas impressões sobre a presente invasão no que se refere aos aspectos estratégicos, militares e geopolíicos, sem fazer considerações morais.
O célebre famoso general e teórico militar prussiano Claus von Clausewitz cunhou a conhecida frase: “A Guerra é a continuação da política por outros meios”.
Entretanto, estudiosos modernos da guerra não concordam que a abordagem “clausevtziana” seja um mandamento.
O Historiador britânico John Keegan, em seu livro “Uma História da Guerra”, mostra exemplos nos quais essa visão racional da guerra não se verifica; frequentemente, uma guerra é travada por motivos que estão longe da política e muitas vezes, contrários aos próprios interesses evidentes dos países naquele momento em que foi deflagrada. E, mais importante, uma vez iniciada, guerra adquire uma lógica e uma dinâmica própria, tendendo ao irracional e sendo movida pelas paixões e emoções.
Inicialmente, desde o início parece ter havido por parte do autocrata russo uma avaliação errada do estado geral do país Ucrânia, no que se refere ao moral da população, estado das forças armadas e lideranças políticas. Decerto, algo bastante inesperado para alguém que foi agente de inteligência da KGB, especificamente, designado para inteligência estrangeira…
Cada vez mais parece que Putin não é mais, se é que algum dia foi, o líder frio e calculista como sempre foi descrito pela mídia e até mesmo por líderes que conviveram com ele, como Ângela Merkel. Um exemplo disso são as últimas declarações, visivelmente carregadas de um misto de mágoa e nostalgia acerca da Ucrânia ser parte espiritual da Rússia, ter sido inventada por Lênin e ser um povo-irmão, ideias que, ainda que não sejam totalmente disparatadas, são totalmente alheias a qualquer pleito ou reivindicação no direito internacional, e, pior do que isso, são irrelevantes diante do quadro de que existe um país chamado Ucrânia, habitado por ucranianos, que falam ucraniano, reconhecido pela comunidade internacional e pela própria Rùssia.
Comparem as declarações que o líder russo deu no curso da presente crise e a entrevista de 1h30m que pode ser conferida no Youtube “Vladimir Putin interviewed by the Financial Times – FT”. É um jogo de xadrez entre dois homens inteligentes, o entrevistador e o entrevistado. O assunto Ucrânia não foi abordado, a entrevista é de 2019, mas Putin, várias, vezes, conscientemente ou não, baixa a guarda e fala sinceramente com o interlocutor. As falas sinceras são as que se relacionam com as mágoas e gravames que ele considera terem sido impostas à Rússia pelo Ocidente com o fim da URSS, ao seu propósito de restaurar a grandeza da Rússia (à última pergunta, o líder da história russa que ele mais admira, ele responde que é Pedro, o Grande, o czar arquiteto da Rússia como grande potência europeia.
Mas toda a visão putiniana de mundo ignora a realidade do seu próprio país: A Rússia é a 11ª economia do mundo por PIB em dólares e a 6ª em Poder de Paridade de Compra. Já a URSS era a 2ª maior. A Rússia tem 146 milhões de habitantes e a sua população na verdade vem diminuindo, as mortes superam os nascimentos. Por sua vez, a URRS tinha mais de 300 milhões de habitantes. E obviamente, a Rússia, embora seja o país mais extenso do mundo, tem cerca de 17 milhões de km2, a URRS tinha mais de 22 milhões.
A mera comparação de seu país com os EUA também ajudaria Putin a ter objetivos mais racionais: A economia americana é 6x maior do que a russa e tem o dobro da população.
Em resumo, os recursos da Rússia seriam melhor gastos em fomentar a sua economia, tentar atrair imigrantes para que sua população não diminua e melhorar as condições de vida da sua população, ao invés de serem gastos em forças armadas voltadas para confrontar os EUA em escala global. Obviamente que a manutenção de um dispositivo militar convencional e, sobretudo, nuclear para dissuação continua sendo uma política lógica.
O problema da existência de regiões de maioria russa e de sua integração na Ucrânia (Donbass), especialmente Luhansk e Donetsk, é real, assim como as reivindicações dessas populações por autonomia têm sido inflexivelmente ignoradas pelo governo ucraniano (inclusive tendo havido anteriormente a proibição do ensino do idioma russo nas escolas da região), e grupos de extrema-direita ucranianos de fato exerçem violência contra essas populações.
A pretensão de ver reconhecida a justa preocupação estratégica e defensiva russa relativa à expansão da OTAN para os países limítrofes da Rùssia, algo que sabidamente foi prometido ao áo país quando da dissolução da União Soviética, especialmente no que tange às ex-repúblicas soviéticas, foi esfacelada pela invasão da Ucrânia, que, certamente, mais cedo ou mais tarde, acabará ingressando naquela Aliança Militar, provavelmente em uma situação mais ameaçadora aos interesses russos, com instalação de bases e contingentes da NATO.
Para piorar, a invasão serviu para unificar e reforçar a OTAN, que estava tendo que lidar com dissensões entre os seus membros, inclusive no que se refere às despesas militares e às relações com a própria Rússia.
No campo exclusivamente militar, a invasão ao invés de representar uma demonstração de força, está cada vez mais revelando-se uma exposição das fraquezas das Forças Armadas Russas.
As imagens, vídeos e relatos que começam a surgir (não obstante nunca devamos esquecer a famos frase, atribuída a Ésquilo, de que “a primeira vítima da guerra é a verdade”) dão a impressão de algumas falhas no planejamento, execução e capacidade militar:
Em primeiro lugar, o contingente russo de cerca de 150 mil soldados não parece suficiente para controlar um país com mais de 600 mil km2 e 44 milhões de habitantes. Para invadir o Iraque, por exemplo, que não tinha o apoio de nenhum outro país, em 2003 os EUA utilizaram cerca 190 mil soldados americanos, além de 45 mil britânicos, sendo que o Iraque tem 438 mil km2 e na época da invasão tinha menos de 30 milhões de habitantes (E não olvidando que o exército ucraniano é sem dúvida muito melhor preparado e motivado do que era o exército iraquiano, e, ao contrário do iraquiano, foi recentemente, e está sendo, suprido com equipamentos do exterior).
Se a estratégia russa era “decapitar” a liderança ucraniana, mais inteligente teria sido uma operação secreta de comandos para capturar o presidente ucraniano, e levá-lo para Moscou e “julgá-lo” pelos supostos crimes de que o Kremlim o acusa, do que um ataque militar em larga escala impondo o arriscadíssimo cerco e invasão, para qualquer tropa atacante, de uma metrópole de cerca de 3 milhões de habitantes, sem falar no gigantesco custo humanitário, o qual não vamos avaliar no campo da ética e da moral, afinal estamos fazendo uma análise estratégica, militar e geopolítica, mas que de qualquer forma prejudicará a imagem da Rússia por décadas ou mesm séculos.
Outro ponto, neste particular, que chama a atenção, é a incapacidade das forças invasoras, apesar da esmagadora superioridade em meios aéreos, de estabelecer uma superioridade aérea efetiva que impeça as forças ucranianas de mover e posicionar blindados, dificuldade que não se observa nas intervençoes militares dos Estados Unidos.
São inúmeros vídeos que mostram que os ucranianos ainda conseguem utilizar blindados e manter posições defensivas capazes de eliminar colunas mecanizadas russas de considerável tamanho. Muitas dessas ações ucranianas não se parecem com emboscadas típicas de guerrilha mas de reais combates entre forças convencionais, inclusive com artilharia, como se viu no vídeo da tentativa russa de cruzar a grande ponte na cidade de Kherson, que, até o momento, está oferecendo uma resistência enorme e conseguindo repelir as forças russas.
Assim, aparentemente, os russos não dispõem do número de aeronaves necessárias (em condições de serem empregadas), ou suas tropas ou sua doutrina, não prevêm, ou nao conseguerm prover, o apoio aéreo necessário. Note-se que até agora, ao menos pelas imagens disponíveis nas redes, o número de helicópteros russos abatidos parece pequeno. Então, não atribuo o problema à alta eficiência das defesas antiaéreas ucranianas, embora elas estejam derrubando aeronaves.
Da grande quantidade de vídeos que eu já vi e que não foram rejeitados como “fake” (há muitos vídeos de outros conflitos sendo postados como se fosse do atual), pode-se estimar que a perda de veículos, blindados e caminhões, e, por consequência, de pessoal, está sendo considerável.
Estimo (chute “educado”, é obvio), que os russos já perderam de 3 mil a 4 mil soldados mortos, mais de 2% da força atacante, uma perda considerável para 3 dias de guerra, mesmo para conflitos do passado (leia-se século XX). Há também relatos, e alguns vídeos, de deserçoes entre os russos, o que coloca em questão o moral das tropas, e até mesmo de veículos parados por falta de combust´vel, algo inesperado vindo do maior produtor de petróleo do mundo, e que denota desorganização.
Putin deve, ou deveria, estar ciente de que a invasão já fracassou. Mesmo que Kiev seja tomada, desta queda não lhe resultará nenhum ganho politico ou estratégio. O poder dissuasório que a quimera de um poder militar russo esmagador representava está seriamente comprometida. Ele foi para a Ucrânia com o que ele tinha de melhor em tropas e equipamento, e o que ele tem simplesmente não está sendo suficiente para subjugar um país muito menor sem sofrer um grande castigo e, muito menos, para confrontar os Estados Unidos e os seus aliados.
Em termos de poder militar convencional, a Rússia de Putin é um tigre de papel. Grande, com rebarbas que podem cortar fundo, mas em termos de poderio para confrontar a OTAN, ela é um tigre de papel. Infelizmente, para o mundo, o mesmo não se pode dizer do seu poder nuclear…
Ainda nos tempos da Guerra Fria, o General reformado Sir John Hackett, que foi chefe do Estado Maior Conjunto da OTAN, escreveu um livro chamado “A Terceira Guerra Mundial”. No cenário traçado no livro, certamente extraído dos cenários traçados pela própria OTAN, o regime soviético, enfrentando constante insatisfação de sua população e ameaçado pela perspectiva da quebra da safra de grão interna devido a um inverno especialmente rigoroso, decide atacar a Alemanha Ocidental, com o objetivo de ocupar inteiramente o país, unificar as Alemanhas sob o regime socialista e, obviamente, distrair o público interno e recuperar a legitimidade.
A invasão descrita no livro é terrível, dada a superioridade esmagadora de blindados que a URSS tinha na época do ataque no livro (1985), mas a OTAN consegue resistir e parar o avanço, graças a tecnologia superior de mísseis antitanque e a chegada dos reforços dos EUA a tempo.
Quando percebem que a invasão chegou à exaustão e que a população soviética está começando a querer se revoltar, os líderes soviéticos decidem fazer um ataque nuclear à cidade de Birmingham, Inglaterra, para intimidar os governos ocidentais e forçá-los a aceitar um armistício. A Otan decide por fazer um ataque à cidade soviética de Minsk (ironicamente, capital da atual Belarus). Em consequência do ataque, ocorre uma revolta generalizada na URSS, agora pelo temor do holocausto nuclear, e o regime do Partido Comunista é derrrubado, a URSS se esfacela em várias repúblicas, sendo a paz assinada pelos novos governos e concedida em bases generosas pelo Ocidente.
Para o bem da humanidade, que as coisas não cheguem a esse ponto.
No dia 04 de agosto de 1914, os exércitos* do Império Alemão cruzavam a fronteira da neutra Bélgica, em direção à cidade de Liége, dando início ao conflito que, na minha opinião, considerado isoladamente, mais influenciou o nosso tempo e a maneira como hoje vivemos.
*Em 1914, apesar de decorridos mais de 40 anos da unificação do país, o Império Alemão ainda não havia unificado os exércitos dos principais reinos que o formaram: Prússia, Baviera, Saxônia e Württemburg, havendo razoaável grau de autonomia entre cada um desses exércitos.
Para quem gosta de História, e, mais especificamente, da História Militar, a mera pronúncia dos nomes Verdun, Marne, Somme, Passchendaele, que batizam algumas das mais terríveis batalhas da 1ª Guerra Mundial, imediatamente evoca cenas de sofrimento humano incomensurável, de sacrifícios imensos e de heroísmo inúteis,.
Não é, para quem já gostava de ler sobre o assunto aos dez anos e hoje tem mais de 50, uma guerra tão distante assim: eu me lembro muito bem de ouvir falar, seja na minha rua, em Santa Teresa, ou na rua de minha avó, em Porto Alegre, que certo vizinho idoso, imigrante italiano ou alemão, “havia lutado na Primeira Guerra” e recontavam-se as suas macabras histórias da luta nas trincheiras.
Já nos anos 90, eu me recordo bastante de uma das melhores séries de televisão já exibidas na tv a cabo: “BBC – People’s Century” – sobre o século XX. Ela focava nas experiências de pessoas ainda vivas sobre os grandes eventos do século. E, especificamente sobre a 1ª Guerra Mundial, havia depoimentos de inúmeros veteranos.
Lembro de assistir um relato marcante, de um veterano francês, que contava que, após dias de bombardeio de obuses de imenso calibre, o solo restava cravejado de enormes crateras, as quais, em virtude de vários ataques frontais quase suicidas, ficavam repletas de cadáveres boiando. Mas o que marcou especialmente aquele veterano foi quando, ao retirarem-se para as suas posições, após alguns dias de ocupação de poucas centenas de metros de território inimigo obtido ao custo de baixas pavorosas, os soldados, para poderem atravessar as crateras inundadas pelas chuvas, tinham que pisar nos corpos dos companheiros caídos… frisando o velho combatente um detalhe macabro: eles procuravam sempre pisar nas costas dos cadáveres, e nunca nos corpos que estavam de barriga para cima, para que a perna não afundasse dentro do corpo do colega falecido… (uma cena análoga é retratada no recente filme “1917“).
Em suma, era o Horror, que somente pode ser detalhado por quem o viveu. O mais dramático é que foi uma guerra travada com tecnologia do século XX, mas por soldados que ainda tinham os seus corações e mentes no século XIX. Não é a toa que os poilus, como eram chamados os recrutas franceses, foram para a guerra em 1914 trajando calças vermelhas, casacos azuis marinhos com botões dourados e quepe vermelho (visibilidade que só ajudava os atiradores alemães). E, ao receber a sugestão, pouco antes da guerra, de que seria melhor utilizar cores mais discretas, como cinza ou verde oliva, o comandante do Exército teria dito:
“Mas as calças vermelhas SÃO a França!” (“Mais, les cullotes rouges sont La France!”).
Infelizmente, porém, o fato é que a Grande Guerra foi uma guerra desejada pela população das grandes potências européias, o que é confirmado, além dos relatos históricos, pelas fotos das praças das principais capitais, totalmente lotadas pelo povo que, entusiasmado, foi para a rua saudar e celebrar as declarações de guerra.
O entusiasmo da população era alimentado pelo nacionalismo e também pelo esquecimento…
CAUSAS DA GUERRA
De fato, em 1914 fazia mais de 40 anos – situação incomum na história do continente – que nenhuma das grandes potências europeias lutava uma batalha em solo europeu: O último conflito havia sido a Guerra Franco-Prussiana, terminada em 1871, que sacramentou a unificação final dos vários reinos e principados germânicos em um Estado Nacional sob o controle da Prússia, formando o Império Alemão.
(Proclamação do Império Alemão, em Versalhes, 1871, quadro de Anton Von Werner)
E a Guerra Franco-Prussiana, como frequentemente ocorre, não acarretou a resolução das diferenças que a causaram, mas, ao revés, lançou as primeiras sementes de um possível novo conflito, muito embora ele tenha ficado apenas latente durante muito tempo.
1- Revanchismo
Com efeito, a anexação das províncias da Alsácia e da Lorena pelo Império Alemão, regiões que a França governava já há cerca de 300 anos, mas que, como qualquer um que já tenha visitado o lugar pode facilmente perceber, têm marcada influência germânica, nunca foi devidamente digerida pelo orgulho nacional francês, e a recuperação daquelas províncias passou a ser, ora veladamente, ora expressamente, um tema importante da pauta política francesa, dando, inclusive, origem ao termo “revanchismo” (de “la revanche“).
(Mapa do Império Alemão (domínios na Europa), entre 1871 e 1918, por Andrew0921 )
2- Política externa alemã
O brilhante chanceler alemão Otto Von Bismarck havia, após 1871, adotado como objetivo principal da política européia alemã, a estratégia de isolar politicamente a França, mantendo boas relações com a, até então, eterna rival desta, a Inglaterra e mantendo um equilíbrio entre a rivalidade anglo-russa, aumentada em função da pressão exercida pelo Império Russo sobre a jóia da Coroa Britânica, a Índia ( e também sobre o Império Otomano), e a rivalidade entre a Rússia e o seu aliado alemão mais próximo, o Império Austro-Húngaro.
Bismarck, até tentou, em 1873, reviver, de certa maneira, sob outra roupagem, a finada Santa Aliança, entre a Prússia, a Áustria e a Rússia, mediante a Liga dos Três Imperadores, aliando os três impérios.
Aliás, um fator desestabilizante naquele mundo europeu do final do século XIX, é que a Alemanha, que já era a economia industrial mais poderosa da Europa e a mais moderna, era governada pela nobreza prussiana (os Junkers), cujos conceitos políticos eram romântica e anacronicamente modelados por ideais feudais.
Além de ser a maior e mais moderna economia da Europa, a Alemanha era também, excetuada a Rússia, a nação mais populosa. Um político sagaz do período chegou a declarar, sarcasticamente, que:
“O problema da Europa é que há 20 milhões de alemães a mais…”
Para agravar os fatores de instabilidade, pouco tempo depois da morte do hábil Kaiser Guilherme I, que havia, juntamente com Bismarck, sido o arquiteto do novo Império Alemão, o governante autocrático da Alemanha passou a ser o seu neto, Guilherme II (o reinado do pai dele durou apenas 99 dias, devido um câncer).
O novo Kaiser não pode ser considerado o único culpado pela 1ª Guerra Mundial, mas é indubitável que, individualmente, nenhum líder jogou mais lenha na fogueira do futuro conflito do que ele….
Romântico, vaidoso, exibicionista, emocionalmente instável, e necessitado de afirmação pessoal (para muitos decorrente do fato dele ter nascido com um braço atrofiado), os traços da personalidade do novo Kaiser acabaram influenciando a política externa do Império Alemão.
Após demitir Bismarck, Guilherme II abandonou a prudente política externa do velho Chanceler (realpolitik), para adotar a sua propalada weltpolitik (política mundial), ou seja, uma política externa que visava tornar a Alemanha uma grande potência com influência global, ou, para usar as palavras do seu próprio ministro de relações exteriores:
“Assegurar à Alemanha um lugar ao sol”.
A política externa de Guilherme II foi a principal responsável pelo Tratado de Aliança Franco-Russa, ao não renovar, em 1890, o secreto “Tratado de Resseguro” vigente com a Rússia desde 1887, e firmado por iniciativa de Bismarck,, e no qual a Alemanha comprometia-se a manter-se neutra em caso de uma intervenção russa nos estreitos do Bósforo ou dos Dardanelos. Esse tratado, de certa forma, compensava a aliança firmada entre a Alemanha e a Áustria-Hungria, visando prevenir a Rússia de se aliar com a França.
Sintomaticamente, apenas um ano depois de Guilherme II deixar o Tratado de Resseguro caducar, França e Rússia iniciavam as negociações que culminariam, em 1892, com a assinatura do supracitado Tratado de Aliança Franco-Russa entre essas duas potências, dando início a uma série de alianças entre as potências rivais européias, os quais gerariam o tão falado “efeito dominó“, que acabou sendo uma das causas principais da conflagração européia em 1914, como veremos mais adiante.
3- O Plano Schlieffen
A maior consequência direta do Tratado de Aliança Militar Franco-Russa foi o condicionamento da estratégia de guerra alemã a uma solução para o grande problema que a aliança militar entre a França e a Rússia gerou: a Alemanha ter que travar uma guerra em dois fronts: ao oeste, contra a França e, ao Leste, contra a Rússia.
O Chefe do Estado-Maior imperial alemão, Alfred Von Schlieffen, dedicou o seu longo período no cargo, entre 1892 e 1906 tentando solucionar o problema da guerra em dois fronts, elaborando detalhados planos militares. Após diversas versões ao longo dos anos, chegou-se a um plano estratégico que passaria à História com o nome de “Plano Schlieffen“.
O Plano Schlieffen previa que, para conseguir derrotar a aliança franco-russa e vencer a guerra, a Alemanha deveria atacar a França e obter uma vitória decisiva contra o Exército Francês em tempo relativamente curto, enquanto que uma parte menor do efetivo militar manteria uma linha de defesa contra a Rússia, com o auxílio dos aliados austro-húngaros, permitindo que, assim que neutralizada ameaça francesa, o grosso do Exército Alemão fosse, a seguir, deslocado para o Leste e derrotasse o Exército Czarista.
A lógica central do Plano Schlieffen , em resumo, derivava da expectativa de que o Império Russo teria dificuldades em mobilizar rapidamente a massa de seu enorme exército em tempo de montar uma ofensiva em larga escala contra o front oriental alemão, o que permitiria que a Alemanha atacasse a França com força quase total, antes que a superioridade numérica russa pudesse fazer a diferença (era expressão comum à época referir-se ao “rolo compressor russo“). Sobretudo porque percebia-se, na virada para o século XX, uma precariedade do sistema ferroviário russo, somada a ineficiência demonstrada pelo Exército Russo na Guerra Russo-Japonesa, em 1904, vencida pelo Japão.
Um detalhe crucial do Plano Schiefflen, e que o tornaria uma das causas diretas da 1ª Guerra, é que ele determinava que, para que o avanço das tropas alemãs fosse rápido o bastante para flanquear os exércitos franceses estacionados ao longo da fronteira nordeste da França, driblando a linha defensiva Verdun-Marne-Paris, acarretando uma batalha decisiva que colocaria uma ala do exército alemão ao oeste de Paris, seria necessário atravessar os territórios da Bélgica, Luxemburgo ou Holanda. Consequentemente, a estratégia alemã pré-guerra já trazia embutida a alta probabilidade de extensão do conflito para países neutros, e do envolvimento de outras nações européias.
4- Militarismo alemão
Que a aristocracia militar prussiana pudesse ter elaborado um plano militar como o Plano Schiefflen, com tamanhas repercussões geopolíticas e diplomáticas sem praticamente qualquer interferência civil, é uma prova estarrecedora do grau de militarização da sociedade alemã, e, igualmente, da exagerada ascendência da nobreza guerreira dos Junkers no país.
É irônico, assim, constatar que a elite prussiana desprezou a importante lição do general prussiano Clausewitz :
“A guerra é a continuação da política por outros meios”
Aliás, o grau de militarização da sociedade alemã no período é esse ilustrada pela deliciosa história do “Capitão de Kopenick“:
Em 1906, um vigarista alemão chamado Wilhelm Voigt manufaturou um uniforme semelhante ao de capitão do Exército Prussiano, vestiu a farda e, ao cruzar com um sargento e quatro soldados, ordenou que os mesmos o acompanhassem, coisa que os militares, condicionados pela disciplina prussiana, fizeram sem pestanejar. No caminho, o grupo encontrou mais seis soldados, que também se juntaram ao pelotão comandado pelo “capitão”, e seguiram todos até a Estação, onde pegaram um trem para a cidadezinha de Kopenick. Ali chegando, o “capitão” ocupou a prefeitura da cidade e deu ordens para que todas as saídas do prédio fossem guardadas.
Logo a seguir, o “capitão” convocou a polícia local e mandou-os “manter a ordem”, bem como determinou aos funcionários dos Correios e Telégrafos que todas comunicações com Berlim estavam proibidas durante uma hora. Depois, Voigt mandou prender o prefeito e o tesoureiro da cidade, pelo motivo de contabilidade fraudulenta, e, incontinenti, apreendeu 4 mil marcos, sem deixar de lavrar um “recibo”.
Finalmente, o “capitão” confiscou duas carruagens e mandou que os soldados levassem os “presos”, para Berlim. Ordens cumpridas, longe dos olhos dos outros, o “capitão” despiu sua farda, vestiu suas roupas civis e desapareceu, obviamente levando a quantia “apreendida”! Somente dez dias depois é que Voigt seria preso.
(Estátua de Wilhelm Voigt, fardado como “Capitão” de Koepenick, na prefeitura da cidade)
O mais espantoso, em todo esse episódio, é que ninguém, sejam os soldados, os policiais ou os funcionários públicos municipais, em qualquer momento questionou a ação, submetendo-se às ordens do “capitão” sem pestanejar, convencidos pela mera visão de um uniforme de oficial prussiano, ainda que falso!
Já naqueles dias, a imprensa britânica alardeou o bizarro episódio como prova da onipotência do militarismo no seio da sociedade alemã, muito instigada pelo Kaiser e, rivalidades anglo-germânicas à parte, eu sou da opinião de que a conclusão estava correta.
FATORES ESSENCIAIS PARA A ECLOSÃO DA 1ª GUERRA
Já falamos sobre as causas mais imediatas da 1ª Guerra Mundial, entretanto, achei que ficou faltando fazer alguma consideração sobre alguns eventos significativos ocorridos décadas antes e que influíram decisivamente para que as principais nações européias engalfinhassem-se em uma guerra tão mortífera, intestina, generalizada e destruidora que mais pode ser descrita como um abraço mortal cuja principal consequência, abstraído o massacre de uma geração inteira, foi o enfraquecimento político e econômico dessas mesmas potências, e o ocaso da nobreza que nelas dava as cartas desde a Idade Média.
Sem dúvida, as modificações ocorridas no campo político, com a Revolução Francesa e econômico, pelas transformações no modo de produção e na sociedade, conhecidas como Revolução Industrial, foram fundamentais para que o conflito de agosto de 1914 tivesse tamanha dimensão.
1- Nacionalismo
Anteriormente ao século XVIII, os principais Estados europeus caracterizavam-se pela vinculação a uma casa real ou dinastia reinante que estabelecera uma supremacia sobre outras unidades políticas menores, igualmente governadas por outras famílias nobres, seja ao nível micro, como feudos, ou macro, como principados ou até mesmo reinos menores e, eventualmente, incorporando cidades-estado, comunas autônomas ou burgos, governados pela aristocracia, por uma classe mercantil ou, até mesmo, em alguns casos, democraticamente, pelo sufrágio dos cidadãos.
Embora houvesse muitas vezes a identificação por uma língua comum ou origem comum, o trinômio estado-nação-povo não era o que caracterizava as potências européias. Não é nosso propósito discorrer sobre o conceito de nacionalismo e distinguir entre nacionalismo liberal ou cívico e nacionalismo étnico. O fato é que, com a independência dos EUA e a Revolução Francesa, enfraquece-se a identificação entre Estado e Realeza, e a vinculação passa a ser entre Estado, Nação e Povo, o que atendeu perfeitamente aos interesses da nova classe dirigente – a burguesia.
A demolição dos diversos feudos e principados e dos privilégios dos seus governantes que complicavam e atravancavam os negócios e enfraqueciam a autoridade central foi uma consequência direta dos eventos supracitados. Marx, corretamente, já escreveu que a ascensão da burguesia e a revolução industrial eram pré-condições para a criação do Estado Nacional Moderno. É um processo que levou ao estabelecimento de uma autoridade central estatal que baseia e precisa basear a sua legitimidade pela defesa dos interesses de um povo, de preferência que fale a mesma língua, em um território. Daí, surge a necessidade da criação de elementos que forneçam uma identidade comum, e não apenas a língua, mas uma bandeira, um brasão, um hino.
Logrando a unidade política e autoridade indisputada em um território, e beneficiado pelo notável aumento da produtividade acarretado pela industrialização (e também da natalidade), ao Estado europeu do século XIX foi possível, através da tributação e do recrutamento, mobilizar e armar exércitos de tamanho e poder jamais vistos anteriormente.
As citadas mudanças políticas e econômicas, por sua vez, ao mesmo tempo geraram e foram impulsionadas por mudanças no campo filosófico, ideológico e científico.
O Nacionalismo do século XIX foi muito influenciado pela Teoria da Evolução de Darwin. Sem necessidade de fazer muita digressão, constata-se que os europeus oitocentistas cada vez mais passaram a entender que o postulado da “evolução das espécies pela sobrevivência do mais apto” também aplicava-se às nações, ou seja, a competição entre as espécies pela sobrevivência também ocorreria entre países, e, obviamente, no topo dessa “cadeia alimentar”, mas competindo entre si, estavam as grandes potências européias: Inglaterra, Alemanha, França, Rússia, Itália e Império Austro-Húngaro (Áustria-Hungria).
E vale observar que a “presa” mais gorda e mais fácil a ser disputada e devorada pela sua carne, naquele momento, era o atrasado e enfraquecido Império Otomano, então chamado de “homem doente da Europa“, já que este ainda controlava praticamente a totalidade dos Bálcãs (Inclusive, a primeira guerra de libertação nacionalista moderna da Europa foi a Guerra de Independência da Grécia, entre 1821 e 1832, contra os turcos. Como curiosidade, relate-se o fato de que os gregos, vitoriosos, chegaram a oferecer o trono da novel nação ao nosso D. Pedro I, que tinha abdicado do trono brasileiro em 1831).
Os territórios otomanos nos Bálcãs eram habitados, em sua maioria, por populações eslavas, que professavam a fé católica ortodoxa, da qual boa parte da opinião pública russa julgava-se defensora (Ideia presente, por exemplo, em várias passagens de alguns livros do imortal Dostoievski). Da mesma forma, a posição geográfica do Império Otomano afetava os interesses estratégicos da Rússia em ter uma saída livre do Mar Negro para o Mar Mediterrâneo e recuperar as perdas que sofrera na Guerra da Criméia (1853-1856).
2- O Pan-Eslavismo e o Tratado de Berlim
Da conjugação do crescimento do nacionalismo na Europa com a busca dos grupos étnicos eslavos por autonomia e independência surgiu o Pan-Eslavismo, movimento apoiado pelo Império Russo, que confrontava não apenas o domínio otomano na península dos Bálcãs (Sérvia, Bulgária, Romênia, Bósnia, Albânia,Macedônia), mas também os territórios detidos pelo Império Austro-Húngaro (Eslovênia, Croácia) na região, e também a Europa Central (nas atuais República Tcheca, Eslováquia, Polônia, etc, governados por uma dinastia germânica.
O choque entre os interesses do Império Russo e os do Império Otomano nos Bálcãs acarretou a Guerra Russo-Turca, de 1877-1878, em que os russos foram vitoriosos e resultou na independência da Romênia, da Sérvia e Montenegro e no reconhecimento da autonomia da Bulgária, ainda nominalmente submetida à Sublime Porta.
Alarmadas com o aumento da influência russa nos Bálcãs, as potências europeias resolveram por um freio nas ambições russas e limitar os ganhos que esta obteve em detrimento dos otomanos no Tratado de San Stefano, assinado com o Império Russo, e convocaram o Congresso de Berlim, realizado em 1878, três meses após, que resultou no Tratado de Berlim, do mesmo ano, no qual chancelou-se a maior parte das perdas otomanas, mas os ganhos russos foram limitados, mantida a anexação da Bessarábia, mas em outra parte cedidos territórios em favor da Romênia, a Bulgária teve a autonomia reconhecida, permanecendo contudo sob a suzerania otomana, e concedidas ao Império Austro-Húngaro a Bósnia-Herzegovina e a região de Sanjak, na Sérvia e Montenegro, em detrimento deste novo país, cuja independência foi reconhecida. A Macedônia, que, no Tratado de San Stefano havia sido cedida à Bulgária, foi devolvida ao Império Otomano.
(O temor de parte da opinião pública inglesa sobre a ameaça russa é muito bem retratado nesse bem-humorado mapa da época)
Essa repartição dos territórios otomanos, na forma preconizada pelo Tratado de Berlim, ao invés de estabilizar a região, foi a causa de vários atritos entre os países envolvidos: em poucos anos, o novo status quo colocaria em rota de colisão a Sérvia e Montenegro e o Império Austro-Húngaro tendo em vista o crescente movimento nacionalista sérvio na Bósnia-Herzegovina; por sua vez, internamente, os russos consideraram-se humilhados e desiludidos com a Alemanha, sentimento que logo incentivaria a aliança com a França, bem como aumentando a hostilidade em relação à Áustria-Hungria, que foi a maior beneficiada em detrimento da Rússia na região balcânica, que, em poucos anos, se tornaria o Barril de Pólvora da Europa…
3- Imperialismo
Da conjugação entre o nacionalismo europeu e a Revolução Industrial, nasce o novo Imperialismo. A necessidade, real ou imaginada, de controlar diretamente mercados e matérias-primas, em um mundo onde, no espaço de uma geração, o aumento da produção, as novas descobertas, o aumento da população, etc., tornaram-se vertiginosos, em que os navios europeus singram todos os mares e suas redes de cabos telegráficos estendem-se pelo mundo todo e, finalmente, onde capitais espantosos são acumulados, aplicados e emprestados interna e externamente, tudo isso é percebido como uma manifestação da competição entre as nações-predadoras em uma cadeia alimentar cujas presas são as regiões menos desenvolvidas do globo.
Cite-se como exemplo a “Corrida pela África“, de certa forma evocando a “Corrida do Ouro” na Califórnia, de 1849. Nessa grande partilha, França e Inglaterra abocanharam a maior parte do Continente Africano, sendo seguidas por Bélgica, Alemanha e Itália ( e até Portugal também interiorizou os seus domínios em Angola e Moçambique). Como resultado, lá pelo final do século XIX, somente Etiópia e Libéria continuavam independentes naquele desafortunado continente, sendo todos os demais colônias ou protetorados das potências européias (A Libéria sendo criada por iniciativa dos Estados Unidos, para receber ex-escravos norte-americanos retornados).
Retalhada a África, a presa da vez, na virada do século, era a China, atolada em séculos de letargia e atraso sob os imperadores que se autodenominavam “Filhos do Céu”. Assim, ao longo da costa chinesa, várias cidades e enclaves, no final do século XIX estavam sendo cedidos ao Reino Unido, à França, e à Alemanha e, ainda – novidade do novo século- agora às potências européias juntavam-se também os Estados Unidos e o Japão, todos em busca do seu “lugar ao Sol” no Império do Meio… . Aliás, há um filme excelente que ilustra muito bem o espírito do imperialismo europeu da época: 55 Dias em Pequim, de Nicholas Ray, com Charlton Heston. O filme, sobre a Revolta dos Boxers, levante anticolonialista chinês, em 1900, é, na verdade, uma ode ao colonialismo, e a cena inicial, das bandeiras sendo hasteadas no bairro das legações estrangeiras em Pequim, mostra melhor do que mil palavras o caldo de cultura do Imperialismo.
(Cartoon francês de 1898 retratando a programada partilha da China. A Marianne, símbolo da República Francesa, pode ser vista apoiando-se nos ombros do Tzar da Rússia, Nicolau II)
Da mesma forma, as inovações tecnológicas e o aumento da produção no campo bélico também eram vertiginosos e eles constituíam os dentes e as garras com os quais as potências mais fracas seriam capturadas e devoradas pelas mais fortes.
4- Corrida Armamentista
Assim, as nações européias, no período entre a Guerra Franco-prussiana e a Primeira Guerra Mundial (1870-1914) acumularam arsenais imensos, constantemente atualizados, devido aos frenéticos avanços tecnológicos, uma disputa que ficou conhecida como a “Corrida Armamentista“, uma das causas principais do conflito que ora estudamos.
Nenhum episódio ilustra mais a influência da Corrida Armamentista como causa da Primeira Guerra Mundial do que a Corrida Naval Anglo-Germânica.
Com efeito, o maior exemplo da velocidade vertiginosa dos avanços tecnológicos bélicos ocorridos na 2ª metade do século XIX está no campo naval.
Para se ter um termo de comparação, hoje, muitas marinhas de guerra do mundo ainda têm comissionados navios fabricados na década de 50, como era o caso do nosso Porta-aviões São Paulo (navio-aeródromo A-12, descomissionado em 2018). De fato, um navio fabricado em 1960, portanto há 60 anos, devidamente atualizado, ainda é, com certeza, um meio naval efetivo (E o mesmo ocorre com caças e o outros aviões da aviação militar)
Pois bem, agora note-se como a partir da 2ª metade do século XIX o avanço tecnológico torna-se vertiginoso:
Os navios que lutaram as guerras napoleônicas, por volta de 1805/1815, eram, basicamente, os mesmos navios que existiam em 1745, e esses mesmos navios continuaram a ser o esteio das armadas européias até 1845. Porém, a partir de 1845 muitos cascos de madeira foram convertidos para vapor. E esses mesmos navios convertidos, em 1850, já eram relíquias. Nessa mesma época, todos os canhões utilizados em 1845 caíram em desuso. Já os navios do início da década de 1850 do século XIX, com casco de madeira e roda de pás, e canhões com bala em formato de bola, ficaram ultrapassados já no final dessa mesma década. De fato, a partir de meados dos 1850, adotou-se a hélice, que se provou um propulsor mais eficiente. Por sua vez, os navios do início da década de 1860, com hélice e casco de ferro, canhões raiados de carga ogival pela boca, mas ainda com cascos com formato de veleiro e mastros, estavam totalmente obsoletos em 1870. Esses 10 anos, entre 1860 e 1879 marcam o apogeu dos navios do tipo monitor. Tais navios, porém, de calado muito baixo, não navegam bem em alto-mar, mas a partir deles, começou-se a adotar a torreta giratória, ao invés dos canhões dispostos em bateria, em escotilhas na lateral do casco. Posteriormente, em meados da década de 1880, adotam-se canhões de retrocarga e começa-se a abandonar os mastros de vela até mesmo como propulsão auxiliar. O design do casco, a disposição do armamento e, sobretudo, as caldeiras dos navios da década de 1880, porém, já são inteiramente ultrapassados em meados da década de 1890. E, igualmente, também vertiginosa foi a inovação no que tange a canhões e motores.
Em suma, a partir de 1845, a cada dez anos qualquer potência que pretendesse projetar efetivo poder no mar tinha que produzir ou adquirir navios inteiramente novos.
Mas a corrida naval que mais contribuiu para a eclosão da Guerra sem dúvida ocorreu entre o Reino Unido e o Império Alemão.O estadista Bismarck não fazia questão de uma marinha poderosa e, durante os anos que ele foi Chanceler do Império, a Alemanha limitou-se a desenvolver uma força costeira, para patrulha. Mas, para atender aos clamores dos políticos e do público internos a Alemanha adquiriu no período algumas colônias na África, como por exemplo, Camarões. Togo, Chade, Ruanda, Burundi e Namíbia.
(Império Colonial Alemão, em 1914, por ziegelbrenner
Sob o pretexto de defender estas colônias, o novo Kaiser Guilherme II, que havia demitido Bismarck, estimulou a promulgação de várias Leis Navais Alemãs, a partir de 1898, dispondo sobre a construção de uma Frota de Guerra de Alto-Mar. E essas leis eram expressas no objetivo da Marinha Imperial Alemã alcançar uma paridade, ao menos parcial, com a Real Marinha de Guerra Britânica.
Até a promulgação das Leis Navais Alemãs, os britânicos não tinham a percepção da Alemanha como um potencial inimigo, e toda estratégia militar britânica orientava-se no sentido de manter a supremacia dos mares, conquistada incontestavelmente no início do século XIX, após a Batalha de Trafalgar (1805), principalmente, em relação à França e, adicionalmente, em limitar o avanço da Rússia na saída do Mar Negro para o Mediterrâneo e no Oriente, nas fronteiras da importante colônia britânica da Índia.
Portanto, as leis navais do Kaiser, e a rápida construção de uma marinha poderosa que delas resultou, em função da enorme capacidade industrial alemã, acenderam bem mais do que uma luz de advertência em Londres…
A Corrida Naval Anglo-Germânica culminou com a Febre do Dreadnought.
Em 1906 a Inglaterra lançou o Encouraçado HMS Dreadnought (nome do navio). Esse navio foi a expressão das teorias navais desenvolvidas no final do século XIX, principalmente pelo almirante italiano Cuniberti, que pregavam um navio armado somente com canhões de grosso calibre, protegido por blindagem espessa, mas com propulsão capaz de desenvolver grande velocidade.
Para muitos especialistas navais da época, o lançamento do Dreadnought teria “zerado” o placar da corrida naval, pois todos os navios anteriores seriam incapazes de enfrentá-lo em combate (o que era um exagero).
Como já observamos, a virada do século XX era uma época em que o nacionalismo estava realmente impregnado na cultura popular, e os jornais e a opinião pública dos países passou a clamar pela produção ou aquisição de “dreadnoughts” (que acabou virando um substantivo para designar o tipo de novo encouraçado moderno). Observe-se que, sob uma certa ótica, os rivais da Inglaterra até ganharam um novo ânimo, pois a tradicional superioridade naval britânica, que até então era contada em dezenas ou centenas de navios, agora teoricamente estaria reduzida a apenas um! (Todavia, a capacidade de construção naval britânica ainda era superior a dos demais, mesmo à da Alemanha, maior economia da Europa por volta de 1913, o que logo ficaria patente).
Os jornais da época ilustram que a opinião pública dos dois países acompanhava a corrida naval quase como hoje as torcidas de futebol fazem com as notícias sobre contratações de jogadores. Um slogan popular que ficou famoso na Inglaterra da época, sobre a aprovação da construção de oito dreadnoughts pelo Parlamento Britânico, foi:
“We want eight, and we won’t wait!” (“Queremos oito e não vamos esperar!”)
E não só os europeus, mas quase todas as nações independentes foram contaminadas pela febre do dreadnought. Podemos dizer que eles eram a bomba atômica da época, só que disponível para qualquer um que pudesse pagar…Assim, os EUA rapidamente resolveram construir navios similares. França, Itália, Áustria, Rússia e Japão também. E o jovem Estados Unidos do Brasil, que havia deixado a Marinha definhar após a Guerra do Paraguai, resolveu recuperar o atraso e resolveu encomendar três dreadnoughts a estaleiros ingleses, batizados de: Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro.
(SMS Nassau, resposta da Alemanha ao Dreadnought, o primeiro encouraçado alemão deste tipo, em 1908)
Em 1910, o Brasil recebeu o Encouraçado Minas Gerais. Foi um fato que realmente abalou a imprensa mundial naquele tempo. O Minas Gerais era não apenas um dreadnought, mas, no ano em que ele foi lançado, ele era o mais formidável deles, ou seja, o encouraçado brasileiro era, nominalmente, o navio mais poderoso do mundo.
E, de fato, o navio era tão impressionante na época que, pouco sabem, inclusive os mineiros, que a canção “Oh, Minas Gerais“, o hino oficioso do Estado, (na verdade uma versão da valsa italiana “Viene Sur Mare“), foi efetivamente adaptada por Eduardo das Neves, em 1910, como uma homenagem, não ao Estado de Minas Gerais, mas ao encouraçado!
(O encouraçado dreadnought brasileiro Minas Gerais, em 1910)
5- Sistema de Alianças
Assim, a Corrida Naval Anglo-Germânica e o receio que as atitudes cada vez mais belicosas do Kaiser, notadamente a simpatia e o apoio velado que este deu à Revolta dos Boêres, na África do Sul (Transvaal), fizeram com que os britânicos passassem uma borracha na histórica rivalidade com os franceses e assinassem, em 8 de abril de 1904, o Tratado da Entente Cordiale, na qual as duas potências democráticas (para os padrões da época) resolviam contenciosos antigos, especialmente no que se refere ao Egito e ao Canal de Suez (que foi uma iniciativa francesa da qual os britânicos de fato haviam se apossado) e reconheciam o direito da França intervir no Marrocos, entre outras pretensões coloniais ).
Embora o Tratado da Entente Cordiale não fosse um tratado de aliança militar, e jamais tenha previsto a obrigação da Grã-Bretanha agir militarmente em defesa da França, ele punha fim, formalmente, a uma política britânica de quase um século de distanciamento das disputas entre as potências continentais europeias, salvo para manter um equilíbrio de poder ou defender interesses britânicos ameaçados, política essa que foi batizada de “Isolamento Esplêndido“.
De qualquer forma, a aproximação entre Reino Unido e França logo foi reforçada por vários incidentes em que a Alemanha se comportou de forma hostil contra os interesses do Reino Unido e da França, sobretudo dois incidentes no Marrocos, em 1905 e 1911, nos quais a Alemanha interveio ameaçadoramente contra a iniciativa francesa para aumentar o seu controle daquele país, tendo, em ambos, a Grã-Bretanha ficado do lado da França. No primeiro dos incidentes, o Kaiser chegou a fazer um espetacular desembarque nas ruas de Tânger, por onde desfilou por algumas horas triunfalmente montado em um cavalo branco.
A Entente Cordiale em pouco tempo foi ampliada, ainda que informalmente, e também não integralmente (porque não havia a previsão de assistência militar por parte do Reino Unido), dando origem à Tríplice Entente, aliando a França e o Império Russo ao Império Britânico, antes da eclosão da Primeira Guerra.
A Tríplice Entente contrapunha-se à muito mais antiga e formal aliança militar constituída entre o Império Alemão, o Império Austro-Húngaro e a Itália, chamada Tríplice Aliança, a qual vinha sendo renovada desde 1882 (e duraria até 1915, quando a Itália resolveu entrar na guerra, mas mudando de lado e aderindo à Tríplice Entente. Como se descobriria muito mais tarde, outro membro, que se manteve secreto, era a Romênia, que, temerosa da intervenção russa nos Balcãs, também aderiu à aliança em 1883, mas, da mesma maneira que a Itália, ela mudaria de lado depois da eclosão do conflito).
6- Mobilização
Por que o ato de mobilizar os exércitos na Europa do início do século XX era tão grave, equivalendo, praticamente, a uma declaração de guerra?
A movimentação de tropas em quantidades jamais vistas na história da humanidade somente era possível mediante a utilização de toda a malha ferroviária dos países, e os planos de batalha envolviam a minuciosa coordenação de ordens de convocação dos soldados e reservistas, a sua apresentação em estações previamente designadas, o seu embarque nas composições ferroviárias, o seu deslocamento em milhares de trens até um local de concentração, e o mesmo ocorrendo com descomunal quantidade de material bélico, tudo devendo ser executado e cronometrado o mais rápida e perfeitamente possível.
Assim, uma vez ordenada uma mobilização geral, era quase impossível voltar atrás, sob pena de desarticulação total, ainda que temporária, não apenas de todo o seu tranporte ferroviário, mas do próprio poderio militar do país.
Efetivamente, como se viu no prelúdio da 1ª Guerra Mundial, a mobilização da Rússia praticamente impôs à Alemanha, de acordo com a lógica militar da época, a mobilização do seu exército nos moldes ditados pelo Plano Schlieffen, o que por sua vez, obrigou a França a também mobilizar o seu exército, o mais rapidamente possível, para executar o seu próprio plano, que incluía o ataque à Alemanha.
Dentro dessa lógica, antes mesmo que qualquer tiro fosse disparado, a guerra tornara-se de fato inevitável a partir do momento em que os países envolvidos decidiam pela mobilização de seus exércitos.
Como curiosidade, trago aqui, como evidência de que o quadro acima era um imperativo militar da época, a Caderneta de Serviço Militar do meu avô, de 1924 (quando a estratégia militar ainda seguia os padrões vigentes na Primeira Guerra). Nas fotos abaixo, pode-se ver que eram fornecidos aos reservistas passes para viagens de trem para serem usadas em caso de mobilização.
Como se sabe, o estopim da guerra foi o assassinato do herdeiro do trono austríaco, Arquiduque Francisco Ferdinando, por um nacionalista sérvio, em Sarajevo, em 28/06/1914, seguindo-se um ultimato humilhante da Áustria-Hungria à Sérvia, em 23/07, o qual não foi inteiramente atendido, razão pela qual a primeira declarou guerra à segunda (28/07), levando a Rússia a ordenar a mobilização de seu exército contra a Áustria em defesa da sua protegida (29/07), motivo pelo qual a Alemanha e Áustria também mobilizaram seus exércitos (30/07).
INÍCIO DA GUERRA
Em 31/07/2014, a Alemanha deu um ultimato à aliada russa, a França, exigindo neutralidade e, como garantia da mesma, a rendição de fortalezas francesas, o que, obviamente, foi negado e imediatamente este ultimato foi seguido pela mobilização francesa no dia seguinte, 01/08, mesmo dia em que a Alemanha declarou guerra à Rússia e invadiu Luxemburgo. Finalmente, no dia 03/08/2014, o Império Alemão declarou guerra à França.
A seguir, obedecendo ao Plano Schlieffen, no dia 04/08/2014, a Alemanha invadiu a Bélgica, compelindo a Grã-Bretanha, que havia se comprometido publicamente a defender a integridade do país em anos anteriores, a declarar guerra ao Império Alemão. Por sua vez, após o fracasso da ofensiva francesa na Lorena, os exércitos alemães naquela província começavam a contra-atacar, com a esperança de contribuir para o pretendido cerco do Exército Francês que estava sendo executado pela ala direita do ataque alemão através da Bélgica,
Nesse momento, o avanço alemão ocorria muito próximo ao que o cronograma do Plano previa (hoje, a corrente majoritária é a de que esse cronograma era inexequível).
Enquanto isso, nos Fronts dos Balcãs e Oriental, nesses mesmos dias, os sérvios infligiam dura derrota ao Exército Austro-húngaro invasor, no Rio Jadar, na Batalha de Cer. Essa pouco lembrada batalha foi a primeira derrota das potências centrais na 1ª Guerra, e nela ocorreu também o primeiro combate aéreo do conflito, e provavelmente da História, quando o piloto de um avião de reconhecimento austríaco disparou seu revólver contra outro avião de reconhecimento sérvio, porém sem causar danos apreciáveis.
Em 21 de agosto, os austro-húngaros já tinham sido empurrados de volta para as suas fronteiras pelos sérvios, sofrendo 40 mil baixas. Por sua vez, o 2º Exército Imperial Russo, comandado pelo General Alexander Samsonov, em obediência à estratégia militar da Entente Cordiale (aliviar a pressão alemã contra a França) cruzou a fronteira da Prússia Oriental em 20 de agosto, dando seguimento à ofensiva do 1º Exército, no dia 17, que havia forçado as tropas alemãs a uma retirada em Gumbinnen e derrotado um contra-ataque capturando cerca de 6 mil soldados germânicos, colocando-se, assim, em uma posição teoricamente capaz de ameaçar a retaguarda do 8º Exército Alemão.
Apesar das cada vez mais evidentes deficiências logísticas dos russos, o comandante do 8º Exército, Maximillian Von Pritwittz entrou em pânico e ordenou uma retirada total para uma linha atrás do Rio Vístula, o que significava abandonar a Prússia Oriental aos russos, ameaçando a própria Berllim!. Felizmente, para os alemães, o Chefe do Estado-Maior alemão, Marechal Helmut Von Moltke, imediatamente destituiu Pritwittz e nomeou em seu lugar, o respeitado veterano da guerra franco-prussiana, Marechal Paul Von Hinderburg, que curtia uma merecida aposentadoria. Hindenburg, de sua parte, nomeou como chefe do seu estado-maior o general Erich Ludendorff, que se tornaria, a partir de 1916, o principal responsável por toda a máquina de guerra alemã.
A parceria dos dois generais: Hinderburg, o medalhão aristocrata, e Luddendorf, o cérebro militar de origem humilde, influenciaria não só todo o esforço de guerra alemão, mas ainda a política do país no pós-guerra. Vale dizer que ambos foram adeptos declarados da tese do “lebensraum” (espaço vital), supostamente necessário para o desenvolvimento econômico e proteção da Alemanha, uma ideia que viria a ser uma política oficial do Estado Nazista, mas que, em verdade, já seria, conforme comprovam documentos, implementada por Luddendorf ainda na 1ª Guerra, no Leste Europeu ( v. Hillgruber, Germany And The Two World Wars, 1981).
Após assumirem o comando, a citada dupla de generais, cientes das deficiências russas, notadamente a falta de coordenação entre os dois exércitos russos e o grande espaço separando ambos, e também sabedores da capacidade superior de deslocamento alemã, em virtude da malha ferroviária maior e mais eficiente, permitindo aos germânicos concentrarem maior número de tropas e de artilharia em cada engajamento, não obstante a superioridade numérica global russa, rapidamente executaram a brilhante tática que os levou a esmagar o 2º Exército Russo na Batalha de Tannenberg, travada entre 26 e 30 de agosto de 1914, uma derrota tão acachapante que levou o general russo Samsonov a se suicidar no campo de batalha.
Em seguida, entre 07 e 14 de setembro de 1914. foi a vez dos exércitos alemães cuidarem do 1º Exército Russo, que avançava em direção a Konigsberg e que após vários combates desfavoráveis (Batalha dos Lagos Masurian) conseguiu a duras penas voltar para as fronteiras russas. A estimativa de baixas russas desta campanha é de 300 mil homens, contra 37 mil alemãs.
Estrategicamente, porém, há controvérsias acerca das consequências dessa Campanha. Muitos acham que a derrocada do avanço alemão, que parou no Rio Marne, no início de setembro de 1914,, em decorrência da Batalha do mesmo nome, e que resultou em vitória para os franceses, sepultando de vez o Plano Schlieffen, foi facilitada pelo fato de preciosas tropas terem sido deslocadas do front ocidental para conter o avanço russo.
Assim, é possível que o Exército Russo, embora fragorosamente derrotado, tenha contribuído, em 1914, para a vitória final da Tríplice Entente, em 1918 (embora ironicamente a Rússia tenha saído da Aliança em virtude da Revolução de 1917).
As “Batalhas da Fronteira”
Entre 21 e 23/08/2014, na região das cidades de Charleroi e Mons, os Franceses e Ingleses tentaram contra-atacar, mas sem obter sucesso. Assim, apesar das instruções do alto-comando de continuar contra-atacando, as tropas franceses recuaram para uma linha mais segura. Essa retirada, na época foi considerada uma derrota e o General Lanzerac, que a ordenou, foi crucificado pelo governo e opinião pública, mas na verdade, hoje acredita-se que ele tenha livrado a Entente de um desastre decisivo. Nesse meio termo, a cidade de Louvain foi destruída, surgindo notícias de atrocidades alemãs cometidas contra civis belgas. De fato, o Exército Alemão efetivamente resolveu retaliar a população civil devido à ação dos chamados “franc-tireurs” (franco-atiradores). Os aliados franco-britânicos, que ao longo da História sempre superaram os alemães em relações públicas, exploraram a propaganda negativa ao máximo.
Enquanto isso, no Front Oriental, como já vimos, a Rússia, que já havia sido severamente castigada em Tannenberg, seria derrotada, embora com menos intensidade, novamente em setembro, na Batalha dos Lagos Masurian.
O aguardado primeiro choque entre as armadas britânica e alemã
Em 28 de agosto ocorreu a primeira contenda armada naval, a Batalha de Helligoland Bight.
Uma força de 2 cruzadores leves e uma flotilha de 31 destroyers britânicos fez uma incursão próxima à base naval alemã de Heligoland, para atacar destroyers alemães que circulavam pela área. Essa força contava com a cobertura de um esquadrão comandado pelo Vice-Almirante David Beatty, que, futuramente, se tornaria o maior nome da Marinha Real na Guerra e que tinha à sua disposição 5 cruzadores de batalha. Ao engajarem-se contra os destroyers alemães, os cruzadores britânicos foram por sua vez engajados por cruzadores alemães, que se impuseram. Porém, Beatty, alertado por rádio das dificuldades dos navios, ordenou que seus 5 cruzadores se deslocassem para o local à toda força. Com a chegada da força superior britânica, que começou a atacar os navios alemães afundando alguns cruzadores e danificando outros, a batalha foi decidida em favor da Royal Navy. Um oficial britânico à bordo de um dos destroyers que se encontrava em situação difícil, cercado por navios alemães, assim descreveu a chegada do esquadrão comandado por Beatty:
“Em linha, bem na nossa frente, como se fosse uma adorável procissão de elefantes no meio de uma matilha de cães, vieram o Lion, o Queen Mary, o Princess Royal, o Invincible e o New Zealand…Como eles pareciam sólidos e totalmente semelhantes a um terremoto! Nós apontamos para eles o nosso último navio alemão agressor e nós fomos para o oeste e eles para o leste e, um pouco depois, escutamos o trovão dos canhões deles”.
Foi uma clara vitória da Royal Navy: 1200 baixas alemães contra apenas 75 britânicas, o que levou o Kaiser a ordenar que “ a frota deveria ficar na retaguarda e se abster de grandes perdas“, de certa forma deixando a iniciativa com os britânicos.
Todavia, em Helligoland, as estrelas da guerra naval, os dreadnoughts, não chegaram a entrar em combate.
Dia 02 de setembro de 1914 tem início a primeira batalha crucial e de grande dramaticidade: a Primeira Batalha do Marne, que merece uma postagem . Assim, paramos por aqui, por ora.
Acredita-se que as primeiras imagens filmadas no Brasil tenham sido feitas por Afonso Segreto, em 1898 (Afonso era irmão do pioneiro Paschoal Segreto, um italiano que emigrou para o Brasil e que, em 1897, inaugurou a primeira sala de cinema do país). Esse filme é referido como” Vista da Baía da Guanabara” e teria sido filmado ainda no convés do navio de nome “Brésil”, que trazia da França o primeiro equipamento cinematográfico do país, quando este entrou na Baía de Guanabara. Infelizmente, este nosso primeiro filme perdeu-se, em data e ocasião ignoradas.
De qualquer forma, constata-se que, desde os primórdios da cinematografia nacional, a Cidade do Rio de Janeiro foi, ao mesmo tempo, o grande cenário e também um grande personagem, não só do cinema brasileiro, mas também das lentes dos estrangeiros.
Se o exuberante cenário carioca como um todo continua deslumbrando cariocas e visitantes, e seus marcos principais, como o Pão de Açúcar e o Corcovado são facilmente reconhecíveis, houve também significativas mudanças no relevo, na orla, ruas, construções e na própria cultura e vida urbana, desde 1909, ano do filme mais antigo que conseguimos selecionar em nossa pesquisa.
Eu, assim, arbitrariamente, selecionei no Youtube cenas filmadas entre 1909 até meados da década de 1950, período que eu considero ser a época áurea do Rio: Na primeira década do século XX, a cidade recém tinha passado por uma revitalização segundo um plano urbanístico racional, com abertura de largas avenidas, construção de edifícios imponentes, grande incremento dos meios de transporte e de criação de infraestrutura turística e exploração benéfica de suas belezas naturais.
Também foi implantada, mesmo ttendo sido importada do estrangeiro, uma cultura de civilidade pública e cuidado com asseio dos logradouros, que foi razoavelmente bem mantida durante esse tempo. Nos anos 50, contudo e infelizmente, já se começa a perceber que a infraestrutura da cidade não acompanhou o crescimento populacional, sobretudo nas questões do transporte público e políticas habitacionais voltadas para a baixa renda. E a especulação imobiliária, sem controle e direcionamento do Poder Público, começa a destruir boa parte do que havia sido tão caprichosamente construído nas quatro décadas anteriores.
Em nosso artigo, optamos por apresentar os filmes preferencialmente em ordem cronológica (quase sempre), citando o título, seguidos por comentários explicando os principais marcos paisagísticos e urbanos que neles aparecem, terminando com o link do filme no final. Se não houver alguma alteração no Youtube, todos, menos um, poderão ser assistidos clicando-se no próprio filme aqui no blog.
Talvez essa nossa viagem pelo Rio e pelo Tempo seja um pouco demorada, mas espero que valha a pena!
1) Filme de 1909 mostrando uma ressaca na avenida Beira-mar, o canal do Mangue, os Arcos da Lapa e o trenzinho do Corcovado
O filme, da Gaumont, que ostenta, em alemão, o nome de “Panorama von Rio de Janeiro“, datado de 1909, começa com as imagens de populares observando uma ressaca que se choca contra a mureta guarnecida de bela amurada e postes de iluminação, antes dos aterros que empurraram o mar para centenas de metros mais longe. Como hoje, a diversão dos espectadores é correr antes de serem encharcados pelo respingo das ondas…Pode ser vista a Igreja de Santa Luzia com suas duas torres, então à beira-mar, e a cúpula da Santa Casa da Misericórdia. Atrás da Igreja, percebe-se, à esquerda, um pedaço do Morro de Castelo, que em poucos anos seria demolido e hoje desapareceu. Na mesma cena, depois de um corte, a câmara muda de ângulo e mostra o outro lado da amurada, podendo ser visto em primeiro plano um casario que depois foi substituído por prédios e corresponde ao inicio do bairro da Glória, em frente à Praça Paris. O morro acima deve ser Santa Teresa, onde aparecem alguns palacetes. Acredito que essa filmagem da ressaca tenha sido feita aproximadamente no trecho da Av. Beira-mar que fica entre o final da Av. Rio Branco, perto do obelisco e o atual consulado dos EUA.
O segundo “take” do filme mostra o Canal do Mangue, margeado em cada lado por uma fileira dupla de palmeiras imperiais, um cenário que impressionava favoravelmente muitos estrangeiros, como se pode constatar pelo grande número de cartoes-postais da época e menções em documentários.
O terceiro take mostra os Arcos da Lapa, sob os quais passa um tráfego intenso de veículos, ainda com muitas carroças de tração animal, um bonde elétrico e um ainda raro, em 1909, automóvel. Vale notar, nas pilastras dos Arcos, as propagandas da pasta de dente Odol, muito popular na época. Depois, há um corte para um trecho danificado do filme, em que se pode ver o bondinho visto de cima cruzando os Arcos. O bondinho começou a passar pelos Arcos em 1896,
O último take mostra o bondinho do Corcovado, ainda à vapor, imagens tomadas muito antes (mais de 20 anos) da construção da estátua do Cristo Redentor.
2) Filme de 1910 mostrando o desembarque de imigrantes italianos trazidos pelo navio Tomaso di Savoia, no Rio.
O segundo filme, e um dos meus favoritos, mostra a chegada dos passageiros de um navio, muito provavelmente imigrantes italianos, ao Rio de Janeiro e é descrito como “Trip to Brazil”, sendo datado de 1910. As legendas originais estão em alemão, língua que eu não domino.
O filme começa com a partida do navio “Tomaso di Savoia“, provavelmente de Gênova, porto em que o navio estava registrado (esse navio foi construído em 1907, na Escócia, e, portanto, na ocasião do filme ele ainda estava estalando de novo) .
O Tomaso di Savoia era operado pela Lloyd Sabaudo Societá Anonima di Navegazione, uma companhia de navegação italiana, e sua especialidade era o transporte de passageiros, notadamente imigrantes, entre o Mediterrâneo e as Américas. Pesquisando na internet descobri que, em 1910, ele foi seis vezes à Argentina, e, nessa rota, certamente parou antes no Brasil. Nessas viagens à Argentina, na lista de passageiros que desembarcaram em Buenos Aires, a maioria é de sobrenomes italianos, mas há também muitos espanhóis.
Seguem algumas fotos do interior do navio, que, como pode se perceber, tinha belos salões e boas acomodações, especialmente na 1ª classe. Na 2ª classe, as cabines acomodavam 4 beliches. Obviamente, a grande maioria dos imigrantes devia viajar na 3ª classe.
Continuando, o filme mostra uma parada ou passagem por Gibraltar e a próxima parada é a ilha de São Vicente, em Cabo Verde, onde o navio é rodeado por barcos a remo, que provavelmente estão ali para prestarem serviços ou vender mercadorias. Nessa parada, vemos passageiros examinando alguns objetos à venda pelos nativos.
O filme prossegue e a próxima parada é Pernambuco, onde vemos um pequeno barco de transporte a vapor que atraca com muita dificuldade ao Tomaso di Savoia devido ao forte balanço do mar. Nessa tomada, podemos observar o curioso sistema usado para baixar e subir as pessoas entre o navio e o barco – um cesto cilíndrico fechado de vime, usados para embarcar no navio duas elegantes senhoras acompanhadas de duas meninas. Depois, podemos assistir tripulantes empenhados em um treinamento da operação de baixar um bote salva-vidas.
Na próxima tomada, voltando a navegar, o Tomaso di Savoia cruza com um magnífico navio à vela de quatro mastros, que é mostrado em detalhes, talvez porque o cinegrafista tivesse conhecimento que aquele navio devia ser um dos derradeiros grandes veleiros que ainda se dedicavam ao transporte marítimo de carga, superados pelo avanço dos motores a vapor na virada do século XIX para o século XX.
A próxima parada é Salvador, que merece uma tomada panorâmica da Cidade Baixa e do seu conjunto de imponentes casarões de 5 ou 6 andares, infelizmente hoje desaparecidos. Deixando Salvador, temos um momento de descontração com as imagens de um menininho trajado e fazendo tarefas de oficial de marinha mercante, que acredito seja o filho do comandante.
Para o propósito de nosso artigo, a parte mais relevante começa aos 5m28s de filmagem, com a entrada na Baía de Guanabara, onde a câmera detém-se um um cruzador ou encouraçado que devia pertencer à Marinha do Brasil, sendo que, no canto inferior esquerdo, pode se ver uma fortaleza.
Logo depois, podemos apreciar uma tomada em close da Ilha Fiscal, em estado impecável e, portanto, já refeita dos danos que sofreu durante a Revolta da Armada, em 1893. Também não se pode ver, obviamente, o molhe e caminho de concreto que hoje une a Ilha Fiscal à Ilha das Cobras, uma vez que este somente seria construído em 1930.
Depois do take da Ilha Fiscal, aparece um dos trechos mais importantes do filme, mostrando como se fazia o desembarque dos passageiros e bagagens em 1910, valendo lembrar que o Porto do Rio de Janeiro foi inaugurado em julho deste mesmo ano.
Até a inauguração do Porto do Rio, navios do porte do Tomaso de Savoia, ou mesmo grandes veleiros, não podiam atracar diretamente no cais (e nem havia, propriamente, um cais contínuo) e o transbordo de passageiros e mercadorias emtre os navios e a terra tinha que ser feito por embarcações menores e utilizados um sem-número de trapiches de madeira, acarretando transtornos, demora e gastos desnecessários.
É exatamente o que vemos nas últimas cenas: os passageiros e as bagagens são transportados por um pequeno vapor, que reboca uma fieira de barcos que os levam até um terminal, com aparência de posto de aduana e imigração, que quase com certeza é a hospedagem de imigrantes da Ilha das Flores, em São Gonçalo, que era a porta de entrada para os imigrantes que chegavam pelo Rio na época e tem muita semelhança com as construções e com o meio-ambiente mostrado no filme.
A ideia de que o terminal mostrado no filme seja a Hospedaria dos Imigrantes da Ilha das Flores é reforçada pelo fato de que, após mostrar o desembarque dos imigrantes no local, a próxima tomada do filme tem a legenda “In Rio de Janeiro”, e então são mostradas imagens da amurada do cais da Praça XV, com as instalações do Arsenal de Marinha, na Ilha das Cobras, ao fundo. A praça está ocupada por uma multidão elegantemente trajada, e vemos um contingente militar em uniformes garbosos.
Assim, não podemos ter certeza se na data da filmagem o Porto do Rio ainda não tinha sido oficialmente inagurado ou não estava recebendo os navios de passageiros do porte do Tomaso di Savoia ou se havia um procedimento específico para o caso de imigrantes, em que o navio devia fundear na Baía e desembarcar os imigrantes próximo à Ilha das Flores, para depois prosseguir para a atracação no Porto. De qualquer forma, é certo que o navio não conseguiria atracar na Praça XV, embora não seja impossível que uma chalupa deixasse ali os passageiros vips da 1ª classe.
Acredito, por tudo isso, que o material em questão seja originalmente um filme promocional da Lloyd Sabaudo, para ser exibido nos cinemas e mostrar aos interessados em comprar as passagens como seria a viagem.
Os leitores que porventura sejam descendentes de italianos que chegaram pelo Porto do Rio de Janeiro podem pesquisar os registros do Arquivo Nacional. Se o seu antepassado chegou ao Brasil em 1910 no vapor Tomaso di Savoia é possível até que ele apareça no filme!(esse navio operou durante vários anos nessa linha e deve ter trazido dezenas de milhares de imigrantes italianos para nosso país).
3) Coletânea de trechos de filmes de Burton Holmes sobre o Rio
Como o texto introdutório do filme esclarece, Burton Holmes era um “palestrante de viagens”, então, uma ocupação que aparentemente atraía, no começo do século XX, uma grande audiência interessada em ouvir falar sobre e, depois da invenção do cinema, ver imagens sobre viagens, especialmente para lugares exóticos. Para abrilhantar as palestras dele, Holmes começou a fazer pequenos filmes durante as suas viagens, para depois exibi-los para a platéia. E parece que ele veio várias vezes ao Rio.
Após a introdução, a primeira imagem que aparece é uma espetacular vista do Pão de Açúcar e outras montanhas, tomada enquanto o navio em que Burton viajava se aproximava da entrada da Baía de Guanabara. Depois podemos ver uma tomada da Ilha Fiscal, muito parecida com a que se vê no filme anterior, do Tomaso di Savoia.
Em seguida, podemos ver uma panorâmica do bairro da Glória, incluindo a Igreja do Outeiro, no qual a câmera vai se movendo até vermos o Catete.
A tomada seguinte é valiosíssima e muito rara. É uma perspectiva em movimento da Avenida Rio Branco e do recém-inaugurado Theatro Municipal, A Avenida está quase deserta, a não ser por alguns transeuntes e dois tílburis ou vitórias que transitam pelo primeiro boulevard carioca, ainda com as árvores bem novinhas. O tamanho delas é compatível com o que aparece em uma foto de Marc Ferrez, datada de cerca de 1910, e portanto, não é temerário considerar que este trecho do filme seja deste ano ou de 1911, o que é reforçado pelos trajes dos pedestres que aparecem nele.
Depois da Avenida Rio Branco, que então chamava-se Avenida Central, aparece uma tomada da recente urbanização da Glória, onde se pode ver o pedaço da Avenida Beira-Mar que foi construída sobre um aterro (Ambas também obras de Pereira Passos), passando em frente da alta chaminé do prédio da City Improvements, então a companhia de saneamento da cidade, e que ainda está no mesmo local.
A tomada seguinte é do Canal do Mangue, na atual Avenida Francisco Bicalho, que é apresentado com a seguinte legenda em inglês : “No Rio, até mesmo um canal de escoamento torna-se uma coisa de dignidade e beleza – observem o canal ladeado por palmeiras imperiais…“. Será que hoje algum estrangeiro iria se referir a uma avenida carioca dessa forma?
No final deste trecho, passa um automóvel em velocidade, cujo modelo é compatível com o final da primeira década do século XX e o início da década seguinte. Digna de nota, até este trecho, é a trilha sonora em inglês, de inspiração lírica e operística, onde a letra fala: “I love to go to Rio“.
As imagens seguintes são do Jardim Botânico e do mirante do Corcovado antes da construção da estátua do Cristo Redentor. Entretanto, estes trechos, bem como os que os sucedem, são de anos posteriores, .e já não são imagens tão raras. Com efeito, depois dos trechos acima, parece que os filmes já são do final da década de 20 ou início da década de 30. Isso fica nítida na tomada da rua Paissandu, e sua bela perspectiva de palmeiras imperiais, algumas das quais resistiram até os nossos dias, com o Corcovado ao fundo, quando passa um veículo típico de meados da década de 20. O vestuário das pessoas a partir desses trechos também é claramente do final da década de 1920 e início da década de 1930. Depois, há tomadas do chafariz da Praça Paris e de uma viagem no Bondinho do Pão de Açúcar.
O trecho final do filme sequer se passa no Brasil, mas, tudo indica, na América Central, finalizando com imagens do Canal do Panamá .
Infelizmente, os leitores terão que ver o filme no Youtube, pois a exibição em outros sites foi desativada pelo proprietário do vídeo.
4) Cenas do velório do Barão do Rio Branco, em 1912
José Maria da Silva Paranhos Júnior, o Barão do Rio Branco, faleceu em 12 de fevereiro de 1912. Sendo justamente considerado um dos maiores brasileiros de todos os tempos, a sua morte causou comoção nacional, sobretudo no Rio, onde ele nasceu.
Este filme, que está no canal do Ministério das Relações Exteriores no Youtube, mostra cenas do velório do Barão, no Palácio do Itamaraty, na atual Avenida Marechal Floriano, para onde uma grande massa de populares acorreu (ao contrário da maioria dos filmes da primeira década do século XX, que já comentamos, aparece bastante a gente mais simples, o que mostra o prestígio do Barão). O filme é inicialmente rodado na calçada, sem cenas do interior do prédio e mostra a chegada de vários diplomatas estrangeiros e do Presidente Hermes da Fonseca.
Depois, é mostrado o corpo do Barão em câmara ardente e a saída de cidadãos que foram prestar suas últimas homenagens: todos colocam de volta os chapéus ao saírem do prédio.
O filme termina com a saída do cortejo fúnebre, em carruagem, com muita pompa. São mostrados alguns figurões da época, inclusive do finado Império, que os pesquisadores que queiram se aprofundar mais certamente saberão reconhecer.
Entre as situações que também vale a pena notar, na minha opinião, é o aumento do número de carros e o intenso tráfego de bondes na rua. Chama a atenção também, a etiqueta, ao menos entre os mais próximos do Palácio: os cavalheiros tiram o chapéu quando cruzam com outro…
5) Fragmentos: a) da recepção ao ex-presidente americano Theodore Roosevelt, em 1913;e b) do filme “River of Doubt”
O filme começa com uma tomada do Palácio Monroe, criminosamente demolido em 1976, mesmo após as obras do Metrô terem feito uma curva no traçado dos trilhos para poupá-lo.
Nota: O Palácio Monroe, que originalmente foi o pavilhão do Brasil na Exposição Universal de Saint Louis, nos EUA, de 1904, sendo depois desmontado e transportado para o Brasil, foi a sede do Senado Federal enquanto o Rio foi a Capital Federal. Por isso, o imóvel guardava uma forte memória democrática, que interessava à ditadura militar suprimir. Vale ressaltar que o arquiteto e urbanisa Lúcio Costa, que não valorizava a arquitetura eclética, chegou a dar um parecer ao IPHAN entendendo que o prédio não possuía valor arquitetônico).
(O Palácio Monroe, às vésperas de sua demolição, em 1976. No local, foi construída a Praça Mahatma Ghandi).
Depois, aparece em um prédio não-identificado, com um pelotão de soldados marchando no meio dos populares em direção à entrada .
O filme termina com o Theodore Roosevelt descendo as escadarias do atual Palácio Guanabara. Sabemos que o ex-presidente norte-americano esteve no Rio de Janeiro em 1913, para iniciar a sua grande expedição científica pela Amazônia, em conjunto com o Marechal Rondon. O primeiro trecho do filme permite ver um pedaço do Morro do Castelo, cuja demolição foi decretada em agosto de 1920 pelo Prefeito Carlos Sampaio. Parece que os trabalhos começaram imediatamente, e grande parte do morro já estava demolida em 1921, porém, os trabalhos somente seriam totalmente concluídos em 1924.
Nota: um pequeno pedaço do Morro do Castelo já havia sido removido para abrir espaço para a construção dos prédios da Biblioteca Nacional e do Museu Nacional de Belas-Artes, dentro do plano de construção da então Avenida Central, que por sua vez estava inserido no projeto de renovação urbana da cidade levado a cabo pelo Prefeito Pereira Passos, que por causa disso havia recebido da imprensa da época o apelido de o “Bota-abaixo”.
Depois de achar esse fragmento e inseri-lo aqui eu acabei encontrando um trecho do documentário “River of Doubt”, precisamente sobre a expedição de Theodore Roosevelt e Rondon para descobrir se o “Rio da Dúvida” (atual Rio Roosevelt, em Rondônia) era um afluente do Rio Amazonas). Eu decidi acrescentar porque os n dois filmes não são exatamente iguais: O segundo traz uma tomada aérea (provavelmente filmada do Bondinho do Pão de Açúcar, de algum avião primitivo – nesse caso provavelmente a filmagem feita de avião mais antiga do Brasil, -ou de um balão), do bairro de Botafogo, onde podemos ver no meio da praia o Pavilhão de Remo, o Corcovado sem a estátua do Cristo e parte do bairro do Flamengo. Há também imagens do desembarque de Roosevelt (parece ser na antiga área de alfândega próxima à Praça XV, e não na Praça Mauá, embora o Porto já estivesse pronto em 1913), Depois, cenas interessantes do embarque em uma carrruagem aberta, apesar dos automóveis próximos e de um embarque em um bonde.
6) Viagem no Bondinho do Pão de Açúcar, no início dos anos 20.
É um filme curto sobre a viagem no bondinho do Pão de Açúcar. Deve ter sido gravado no início dos anos 20, pois já vemos o prédio da Faculdade Nacional de Medicina, construído em 1918 e demolido em 1976 (Mesmo ano da demolição do Palácio Monroe, o que chega a fazer a gente pensar que havia mesmo um projeto de destruição coordenado)
Mais significativo para datar esse vídeo é a Ponte da Avenida Portugal, que aparece logo no início, antes do prédio da Faculdade, e foi construída em 1908, para a Exposição Nacional de 1908, para o qual foram erguidos vários pavilhões de exposições. Essa ponte foi reformada em 1922 para uma nova exposição no Centenário da Independência, em 1922. Mas o que vemos no filme é como a ponte era antes dessa reforma, então ele é anterior a 1922. A data de 1920-1921 é compatível com a moda feminina que aparece no filme.
7) Imagens do Rio e Buenos Aires, por volta de 1930.
Essa coletânea, segundo o título, é dos anos 1920, mas eu acredito que, se eu estiver correto, ela é dos anos finais dessa década, podendo também ser de 1930 ou 1931.
Começa com um filmagem de navios fundeados no Porto, mas não se consegue identificar nenhum ponto específico
Depois temos uma rara filmagem de um passeio de carro pela Avenida Beira-Mar, já na altura da Praia do Flamengo. Há um trecho interessante que mostra belos casarões, inclusive o sobrevivente “Castelinho do Flamengo“, que foi construído em 1916. Nessa parte há também uma filmagem de um pavilhão ou coreto com o Pão de Açúcar ao fundo, aparentemente no final de um pier, Não consegui identificar de que construção especificamente se trata no material disponível na internet . Não se parece com o Pavilhão de Regatas de Botafogo, que era maior e, de qualquer forma, ficava mais adiante, na praia do mesmo nome. Em outros filmes que vamos comentar, aparece de longe um pier na Praia do Flamengo, na altura do Palácio do Catete, que julgo ser exatamente o pier do qual ora estamos falando.
Depois, o filme prossegue com um passeio no Bondinho do Pão de Açúcar. Há uma bela tomada aérea do bairro da Urca e momentos de descontração dos turistas.
Finamente, vemos cenas do centro do Rio, provavelmente da Avenida Rio Branco., e depois as imagens já são da Argentina.
Infelizmente, os leitores terão que ver o filme no Youtube, pois a exibição em outros sites foi desativada pelo proprietário do vídeo.
8) Inauguração do Hipódromo do Jockey Club, na Gávea, em 1926.
Filme sobre a inauguração do Hipódromo da Gávea, em 1926, ainda hoje um dos mais belos do mundo, seguramente.
Documento de valor histórico relevante, com imagens da presença do Presidente da República, Artur Bernardes e de vários figurões da sociedade carioca da época, como Linneo de Paula Machado, Herbert Moses e o engenheiro que construiu o hipódromo, Mário de Azevedo Ribeiro, e também pela menção ao valor arrecadado com bilheteria e apostas. Há também uma rara vista panorâmica da atual PraçaArtur Bernardes.
9) Fragmentos de filmagens da viagem ao Rio de uma família paulista abastada,(1928) .
Esses fragmentos de um rolo de filme de 16mmm estão no canal do Cau Barata no youtube, um dos melhores existentes em imagens do Rio Antigo e que vale a pena assistir.
Segundo o relato do Cau Barata, os rolos teriam sido encontrados na família de um amigo dele, no interior paulista. O texto atribui ao filme a data de 1928, o que é perfeitamente condizente com as construções, veículos e vestuário que aparecem nas imagens, pelo que não cabe qualquer correção.
O que eu acho mais encantador nas imagens é a elegância discreta e descontração da família, especialmente da jovem senhora, além, é claro, das belas paisagens, muitas quase intocadas e ainda bucólicas.
Agora comentarei alguns fragmentos especificamente:
Fragmento 1 – Praia de Copacabana
Vemos a jovem e bela senhora, provavelmente a esposa do dono da câmera e chefe da família, curtindo, vestindo o que deveria ser amelhor moda praiana da época, a Praia de Copacabana, com o marido, os filhos e amigos, quando passa, bem perto da água, um soldado à cavalo, provavelmente um militar que se dirigia ao Forte de Copacabana (será que os oficiais tinham esse privilégio de cavalgar na praia?). Eles estão na frente do Copacabana Palace, que, com apenas 5 anos de idade, ainda estava em sua infância, estalando de novo!
Neste fragmento realmente foi capturado um dia idílico, no qual a família praticamente parece ter a Praia de Copacabana só para eles. De fato, não aparece ninguém nas proximidades da família, seja na água ou na areia. Difícil de acreditar, mas Copacabana já foi assim um dia.
O fragmento termina com uma panorâmica tomada da entrada elevada do Copacabana Palace, mostrando a Avenida Atlântica, o célebre calçadão de pedras portuguesas, ainda bem estreito, e à esquerda, um dos ricos palacetes residenciais que dividiam a Avenida com o Hotel.
Fragmento 2
O menino posa na varanda do Copacabana Palace, com um belo Palacete e o morro do Leme ao fundo. Depois a câmara muda para o ângulo oposto, em direção à Ipanema e podemos ver uma imagem muito rara: o Morro do Inhangá, que originalmente chegava até a praia, dividindo-a em duas, e teve uma parte removida para se fazer a Avenida Atlãntica. O resto deste morro foi demolido em 1934, possibilitando, justamente, a construção da piscina do hotel e sua famosa pérgula, que datam do referido ano.
As imagens seguintes são de um salão de restaurante do hotel e dos garçons servindo as mesas. O filme termina com os homens elegantemente trajados fumando na varanda do Hotel e a chegada das esposas.
Fragmento 3
A familia, suas crianças e os amigos curtem mais um dia na Praia de Copacabana. O pai pega surfe de peito ( “jacarés”) com uma prancha bem parecida com as de isopor que eram bem comuns na minha infância, mas pode ser que seja uma prancha de madeira. Depois dele, será a esposa quem se diverte com a prancha.
Outra imagem curiosa é de uma das mulheres que se veste para deixar a praia. A “saída de praia” dela é, efetivamente, uma roupa completa, e bastante elegante.
Vale destacar mais uma tomada do Morro do Inhangá, que permite ver como a Praia foi modificada.
Fragmento 4
O grupo dança na varanda do Copa. A alegre descontração de todos encanta ainda hoje. Inicialmente, os casais dançam juntos, depois as mulheres dançam mais ludicamente.
Fragmento 5
Mais um dia de praia e brincadeiras. À tarde, todos de terno e as mulheres com estolas de pele, na varanda. Deve ser estar no quartos mais caros do hotel, o que mostra o quão abastado o grupo é. Uma coisa legal que se vê no filme, e que foi a marca dos anos 20, é que as mulheres puderam se soltar mais. Em breve conquistariam do direito ao voto no Brasil. A descontração, intimidade e cumplicidade entre os casais que se vê na imagem não era tão comum no século XIX e na Belle Époque.
Fragmento 6
Mais um dia de praia. Podemos ver que eles trouxeram seu cachorrinho de estimação: um buldogue francês, raça que devia ser bem exclusiva na época (e ainda é, um filhote com pedigree custa milhares de reais..). Um close nas crianças mostra que eram todos muito bonitas. No fim do fragmento, acredito que eles visitam a colônia de pescadores que até hoje existe no Posto 6..
Um comentário que julgo importante fazer é que esse grupo é quase um pioneiro, pois, ainda durante os anos 1910, tomar banho de mar não fazia parte do lazer do carioca. Somente a partir dos anos 20 e, ainda assim, lentamente, esse hábito começa a ser introduzido em nossa cultura. Daí o motivo pelo qual, nas imagens, a praia está quase sempre bastante vazia
Fragmento 7
Outro dia de praia. Mas inseri por causa das imagens cômicas do bulldog tentando pular a mureta da praia e por causa de uma tomada do terraço do hotel mostrando a orla praticamente sem prédios, só casas. E também pela curiosa imagem de um deles de terno na areia.
Fragmento 8.
Outro dia de praia. Há uma tomada do terraço do hotel em direção à Pedra do Leme em que dá para se contar nos dedos de uma mão o número de pessoas em toda a faixa de areia….
Há uma filmagem em close da jovem senhora falando de maiô, usando um belíssimo colar de pérolas. Embora ela não seja de beleza deslumbrante, é uma moça muito graciosa e simpática. Em dado momento, ela fala com quem deve ser os pais dela, ele de terno e a mãe vestida com peles.
A vida é muito boa quando se tem uma família unida, bem-humorada, filhos lindos e, adicionando-se um tempero adicional, embora isso não seja essencial, quando se tem dinheiro para aproveitá-la ela é ainda melhor, como é o caso deles, rsrsrs.
Fragmento 9
Depois de mais um dia de praia, vemos uma nova panorâmica do Copacabana Palace até o Leme, onde não se vê viva alma na praia.
O passeio agora é nas Paineiras, onde vemos o prédio do famoso Hotel das Paineiras. Em uma tomada, podemos apreciar de mais perto a estátua do Cristo Redentor, ainda em obras, envolta em andaimes. O filme, então, corta para uma cena no interior do restaurante do Hotel das Paineiras,, onde podemos notar as cadeiras de madeira com o letreiro da Cervejaria Brahma, uma peça que, se for encontrada hoje, deve valer um bom dinheiro para colecionadores.
10) Filme “O Brazil já tem Azas”, de 1922
O filme foi produzido pela produtora carioca Omnia Filme para a Exposição do Centenário da independência do Brasil, em 1922 ( vide ‘Nova História do Cinema Brasileiro – volume I).
O filme está bem danificado e, na minha opinião, o seu restauro deveria ser imperioso, já que é um documento inestimável sobre a evolução urbana do Rio de Janeiro (retiro minhas palavras, caso o mesmo já tenha sido restaurado).
A primeira tomada é dos hangares de onde o avião certamente decolou. Depois , podemos ver uma tomada abrangente do Corcovado, ainda sem a estátua do Cristo Redentor, com o belvedere que ficava no cume antes da sua construção.
Uma cena de valor inestimável, infelizmente danificada, é uma tomada aérea da Avenida Rio Branco (então Avenida Central) e do seu entorno. Em outra tomada, a Avenida é mostrada em praticamente toda a sua extensão.
Muito interessante, e não só para os tricolores, é a tomada aérea do Estádio das Laranjeiras, do Fluminense FC.
11) Filme mostrando a chegada do Hidroavião Jahu e a aclamação dos aviadores pelo povo carioca, em 1927.
O filme na verdade é uma coletânea moderna de filmes antigos em formato de um fictício documentário sobre os fatos marcantes supostamente ocorridos no Rio no ano de 1929. Apesar disso, há muitas imagens autênticas e relevantes do Rio Antigo.
Começa com cenas de rua do centro do Rio de Janeiro, podendo-se ver, em uma delas, o Palácio Monroe, e pelo ângulo, parece que a tomada foi feita da atual rua Santa Luzia.
Prossegue o filme com as imagens de um transatlântico chegando ao Rio, porém, embora a imagem seja real, a narrativa é fictícia, pois não havia na época nenhum navio transatlântico britânico chamado “Rainha Vitória”.
A próxima cena é a chegada do aviador João Ribeiro de Barros e seu hidroavião Jahu ao Rio de Janeiro, fato ocorrido em 05 de julho de 1927, após a proeza de cruzar o Atlântico Sul e chegar em Natal-RN,, e a sua apoteotica aclamação pela população, concentrada na Praia do Flamengo, esperando o avião chegar.
(O hidroavião Jahu, preservado no Museu Asas de um Sonho, da TAM, em São Carlos-SP)
Podemos ver em detalhe o então solitário Edifício Guinle, projetado pelo arquiteto Joseph Gire ( autor do projeto do Copacabana Palace) e construído em 1923, para mim até hoje um dos edifícios mais bonitos do Rio (Obs: O avião que aparece decolando no filme não é o Jahu, que tinha dupla carenagem).
O filme segue com imagens de um cortejo de carros em comemoração ao feito dos aviadores e uma rara imagem de Ruy Barbosa, que o narrador menciona ter participado das homenagens. Isso obviamente é uma invenção, pois o nosso “Águia de Haia” morreu em 1923, quatro anos antes da viagem do Jahu.
Há imagens de um Fla x Flu no Estádio das Laranjeiras. Mais uma vez, o texto é fictício, pois o resultado informado, de 6 a 1 para o Flamengo, somente ocorrria pela primeira vez na história do clássico em 1944, e esse jogo não foi disputado nas Laranjeiras, sendo que, pelos uniformes dos jogadores e vestuário dos torcedores, a partida gravada deve ter ocorrido na década de 1920.
Muito relevantes são as imagens de um corso carnavalesco em plena Avenida Rio Branco, que eu situo ter ocorrido na primeira metade da década de 1920.
O “documentário” prossegue com imagens da passagem do dirigível “Graf Zepellin” nos céus do Rio de Janeiro, Isso ocorreu pela primeira vez em 24 de maio de 1930, e, portanto, estas cenas não podem ser anteriores a esta data. Não é a toa que, quando o dirigível aparece sobrevoando a Baía de Guanabara, com a Avenida Rio Branco em primeiro plano, esta já está com vários prédios mais altos.
O filme termina com um trecho do primeiro filme comercial sonoro brasileiro, “Coisas Nossas“, de 1930, onde assistimos uma apresentação do conjunto musical “Bando de Tangarás”, integrado por Braguinha e Noel Rosa, que aparece no filme tocando violão.
12) Filme da viagem de uma família estrangeira pelo Brasil, começando pelo Rio de Janeiro, entre 1926 e 1927.
O filme começa na Praia de Copacabana, no mesmo trecho frequentado pela família paulista dos fragmentos que já comentei. Esta família, entretanto, parece ser estrangeira, norte-americana talvez. Podemos ver os cachorros brincando na água, um deles um belíssimo Border Collie e uma outra tomada mostrando o Morro do Inhangá.
Depois há um corte onde uma graciosa menina anda de carro com seu pai, que, enquanto dirige, olhando para trás fala algo para a câmera. Percebe-se, pelas janelas, que eles estão passando pelo obelisco da Avenida Rio Branco.
Logo após temos uma raríssima tomada do Teatro-Cassino Beira-Mar, que ficava na Avenida do mesmo nome, bem em frente ao Passeio Público. O complexo de dois prédios idênticos, com considerável toque do estilo “revival” em voga na Califórnia, foi inaugurado em 18 de julho de 1926 e demolido em 1936, o que já fornece um lapso temporal para a datação do nosso filme.
São sentimentos dúbios que eu tenho em relação à perda desse Cassino: Ele foi construído em cima do belíssimo e histórico terraço do Passeio Público, obra de Mestre Valentim, no século XVIII, obstruindo completamente os valiosíssimos chafariz, estátuas e pirâmides. Por outro lado, era, a meu ver, um conjunto muito bonito e exótico que adicionava um elemento arquitetônico interessante na região. Mas jamais deveria ter sido construído naquele local.
Logo em seguida, vemos uma panorâmica da Praia de Botafogo, ainda sem prédios.
Depois de vermos a menina brincar com um papagaio, as cenas seguintes vão tirar o fôlego dos cariocas: Vemos casas que quase toda certeza estão no bairro de Ipanema, no meio de dunas e vegetação de restinga, e uma panorâmica simplesmente sensacional da Praia de Ipanema, onde aparecem as Ilhas Cagarras. Ah,, se existisse uma máquina do tempo…
(Ipanema, 1903)
A próxima tomada já mostra o Palácio Monroe. Chamou a atenção do cinegrafista os diferentes veículos de tração animal que ainda circulavam pelo Centro do Rio, especialmente uma carroça da Limpeza Pública. Também é interessante observar o cruzamento do quarteirão onde estava o Palácio Monroe, onde os carros esperam o bonde passar. A câmera mais uma vez se detém nos diferentes tipos de transporte típicos, mostrando outros tipos de carroças e os indefectíveis “burros sem rabo” que até hoje sobrevivem.
Aparentemente, as cenas se passam na Rua Primeiro de Março, pois a nova tomada já é aberta e vemos as igrejas de Nossa Senhora e da Ordem Terceira do Carmo. Depois, é mostrada a Igreja da Nossa Senhora da Lapa do Desterro, que batizou o bairro. Na Lapa, a família chama o que parece ser um elegante carro de praça do tipo “limousine”.
Mais uma tomada na Praia de Copacabana mostra outro soldado à cavalo nas proximidades do Forte de Copacabana, aparecendo uma parte do complexo. Uma curiosidade é que podemos ver que já se jogava vôlei na praia naquela época. Uma panorâmica nos mostra que quase não há nenhum prédio além do Copacabana Palace.
Novos cortes para o que parece ser uma vista do bairro de Copacabana tomada da Ladeira do Leme. Nessa série de imagens, é importante notar que o Corcovado, aparece sem a estátua do Cristo Redentor, cuja construção começou em 1926. Diante dessas evidências, podemos datar o filme de 1926 ou do início de 1927, porque em 1928 já existem imagens da estátua em avançado estágio de sua construção e envolta em andaimes.
As tomadas seguintes mostram a alameda de palmeiras imperiais da Rua Paissandu e um passeio no Corcovado, com uma parada no mirante, sendo que as cenas reforçam a certeza de que foram tomadas antes da construção da estátua , que se existisse, ainda que inacabada, certamente seria mostrada no filme.
Seguem-se trechos muito interessantes de um passeio de barco pela Baía de Guanabara .
A filmagem do passeio começa com um close da Ponte Almirante Alexadrino de Alencar, que ligava a região do antigo Arsenal de Marinha à Ilha das Cobras. Sim! o Rio já teve a sua ponte pênsil, apesar da mesma funcionar como uma plataforma de transporte de carga ou de pessoas motorizada entre os dois pontos sob administração da Marinha, não havendo propriamente o tráfego de veículos ou transeuntes pela mesma. Essa ponte foi construída em 1915 e demolida em 1930.
O passeio é um documento visual importante, mostrando as ilhas próximas da Baía, aves aquáticas, canoas de pescadores e uma panorâmica da Zona Portuária, terminando com a aproximação da região da Praça XV, já para desembarque.
Há, posteriormente, uma tomada da Vista Chinesa e depois uma gaiola com um mico-leão atrai a atenção do cinegrafista.
Nos trechos seguintes, a família faz uma viagem ao Recife.
Depois volta do Recife , a próxima tomada carioca é na Praia de São Conrado, onde são focalizadas a Pedra da Gávea e o Morro Dois Irmãos. Ali, a família faz uma pausa para tomar água de côco, e nos é preservada a imagem de um vendedor de côco da época. A estrada é de terra e cercada de vegetação nativa.
Depois disso, aparentemente, a família vai de trem para Santos-SP, onde é filmada uma praia e uma feira-livre.
O filme termina com mais uma cena do bairro da Lapa, no Rio.
13) Filme “Estradas do Futuro”, sobre a viagem de hidroavião do Ministro Victor Konder, do Rio à Santa Catarina, em 01/01/1927.
Victor Konder foi Ministro da Viação e Obras Públicas no governo do Presidente Washington Luís, entre 1926 e 1927.
O filme retrata a viagem do Ministro, acompanhado de jornalistas do jornal “O Paiz” à Florianópolis, provavelmente parando em Itajái-SC, no hidroavião “Atlantic“, iniciada em 01/01/1927.
O Atlântico era um hidroavião de fabricação alemã, do modelo Dornier Wal e pertencia inicialmente à empresa alemã Kondor Syndikat, cujas operações na América do Sul enfrentavam problemas financeiros.
Então, o imigrante alemão Otto Ernst Mayer, com o apoio de empresários gaúchos, decidiu organizar uma empresa aérea nacional, inicialmente chamada de “Companhia Riograndense de Transportes Aéreos“, e que, mais tarde mudaria o nome para “Viação Aérea Riograndense“, a nossa saudosa VARIG.
Otto Mayer viajou à Alemanha e obteve um acordo com o Kondor Syndikat, no qual a empresa alemã ficaria com 21% das ações da futura VARIG e operaria o hidroavião Atlântico no Brasil enquanto se processavam os trâmites para a autorização de funcionamento da nova companhia.
Para demonstrar a segurança do novo meio de transporte e impressionar as autoridades, Otto Mayer convidou o Ministro da Viação (equivalente ao atual Ministério dos Transportes), Victor Konder, para fazer uma viagem aérea ao Estado natal do segundo, Santa Catarina, no hidroavião Atlântico, acompanhado de jornalistas que cobririam o feito pioneiro. É esse vôo histórico que está retratado no filme.
Com relação ao nosso assunto específico, o filme inicia com a decolagem do Atlântico, aparentemente do trecho de mar da Ponta do Calabouço, perto de onde depois seria construído o Aeroporto Santos Dumont. Depois, o filme mostra uma tomada aérea do Pão de Açúcar.
O mais interessante, são as tomadas aéreas de Copacabana, Ipanema e Leblon, os dois últimos ainda muito esparsamente ocupados.
14) Filme “Raio de Janeiro – City of Splendour”, de 1932
Em excelente estado de preservação e filmado em cores, pelo processo “Technicolor”, este é, sem dúvida, o filme mais impactante da nossa seleção.
É um documentário de uma série norte-americana chamada “Traveltalk“, de James Fitzpatrick, que, tudo indica, era uma espécie de continuador do Burton Holmes, realizador do filme nº 3 de nossa seleção, como palestrante, e agora cinedocumentarista, de viagens, agora exibidas como curta-metragem antes do filme principal nos cinemas.
O filme começa com uma belíssima tomada do Pão de Açúcar, tomada do convés do navio que entrava na Baía de Guanabara, uma cena que desde os primórdios sempre atraiu a atenção dos cinegrafistas, desde o pioneiro Afonso Segreto, em 1897, passando pelo Burton Holmes de 1910. Enquanto isso, o narrador explica em inglês o motivo pelo qual os portugueses chamaram a cidade de “Rio de Janeiro”.
Depois do navio cruzar com um imponente transatlântico, é filmado o edifício do Terminal Marítimo Touring Club do Brasil, que depois foi administrado pela Companhia Docas do Rio de Janeiro e atualmente pela Pier Mauá, sendo até hoje o local de desembarque dos navios de passageiros no Porto do Rio. Atrás do edifício podemos ver com detalhes o Morro da Conceição. O narrador enfatiza que os navios de passageiros que chegavam ao Rio literalmente podiam amarrar na entrada da rua mais importante da cidade.
Ele está falando da Avenida Rio Branco, que aparece logo a seguir, já com alguns prédios mais altos. A 1m37s do filme, aparece, à direita da avenida, um ônibus de dois andares, apelidado jocosamente pelos cariocas de “chope duplo“. Mais embaixo, a torre mais alta é a da sede do Jornal do Brasil, antes dele mudar no início dos anos 1970 para o prédio colado na Perimetral, onde hoje está o INTO.
Após um breve flash da Avenida Beira-Mar, vemos novamente a Praça XV e a perspectiva da Avenida Rio Branco, com o Pão de Açúcar ao fundo. O primeiro prédio à esquerda da avenida é a Casa Mauá, em estilo neogótico. Esse prédio comercial foi demolido para a construção do Edifício RB 1, já no final dos anos 1980.
Quando eu era criança, na década de 70, sempre quando eu ia no trabalho da minha mãe, na Rua do Acre, ao passar pela Casa Mauá, apontava para o que eu chamava de “Castelinho” e perguntava para a mãe o que havia ali. Naquela época, as paredes do prédio eram de cor marrom escura, quase negras, certamente pela fuligem dos ônibus, o que lhe dava um ar lúgubre. Na minha mente de criança, ali parecia mesmo um lugar misterioso, e eu sempre me referia ao prédio, mesmo quando eu já estava quase nos meus 20 anos, como “o Castelinho”.
Na mesma tomada, a câmera move-se para a direita e vemos, em primeiro plano, do lado direito da Avenida, o Edifício “A Noite“, o primeiro arranha-céu carioca, também um projeto de Joseph Gire, e que, quando foi concluído, em 1929, era o edifício mais alto da América Latina. Não obstante, a construção do edifício marcou o primeiro passo na descaracterização da Avenida Rio Branco, projetada como um boulevard da “Belle Époque” de arquitetura eclética. O prédio deve o seu nome original ao jornal vespertino “A Noite”, que o encomendou para ser a sua sede. Em 1936 instalou-se no prédio a Rádio Nacional, que ali funcionou até 2012, ficando célebre pelos programas de auditório, rádionovelas e programas humorísticos, que além de grande audiência em todo território nacional, atraíam uma multidão de fãs à Praça XV. O atual nome do prédio é Edifício Joseph Gire, em homenagem ao seu arquiteto.
As próximas cenas são da Cinelândia, aparecendo, em primeiro lugar, o Palácio Monroe.
Atenção para as cenas seguintes: elas mostram como eram impecavelmente cuidados os jardins da Praça Floriano. Notar a elegantíssima e esguia moça que passa e atrai o olhar do soldado…
O apuro da jardinagem pública carioca da época é confirmada com a vista da Praça Paris, movendo-se a câmera do bairro da Glória para o Palácio Monroe. Podemos ver já alguns edifícios de apartamentos em estilo Art-Decó, o relógio da Mesbla, o Cassino Beira-Mar e os prédios mais altos da Cinelândia. Esses prédios, embora altos, como são os casos do prédio onde fica até hoje o Cinema Odeon e do prédio do Amarelinho, apesar da altura, têm um estilo harmônico com o das construções originais da Avenida Rio Branco.
Temos depois mais uma tomada do Canal do Mangue e suas fileiras de palmeiras imperiais, cenário que no início dos anos 30 continuava atraindo os olhares estrangeiros, seguida de uma vista do Pão de Açúcar tomada do início de Botafogo. Aqui podemos perceber que o então novíssimo bairro da Urca já tinha alguns prédios baixos, entre as casas.
O próximo take é raríssimo: uma vista da Praia de Botafogo com um close do Pavilhão Mourisco, que acabou dando nome àquele trecho da praia, o qual persiste até hoje.
O Pavilhão Mourisco foi erguido na administração do Prefeito Pereira Passos, ou, segundo outras fontes, na do Prefeito Souza Aguiar, em 1906, para marcar o final da recém-construída Avenida Beira-Mar. Embora o seu estilo arquitetônico orientalizante seja neo-islâmico ou, ainda, neo-persa, acabou recebendo o apelido de “mourisco”, confundido pela população com o estilo “mudejar” do Norte da África. Ele foi concebido pelo arquiteto Alfredo Burnier. Durante seus primeiros anos, funcionou no Pavilhão um bar no terraço e uma casa de chá e um restaurante, no interior. No mesmo terreno, de frente para o pavilhão, ficava uma construção, apelidade de “Guignol”, que abrigava um teatro de marionetes para as crianças. Em suma, era, sem dúvida, um local bem ao gosto da elite do período, que procurava emular os costumes de suas congêneres europeias.
Porém, os estabelecimentos etílico-gastronômicos não deram certo e fecharam durante os anos 20. Posteriormente, contudo, a construção ganharia uma utilização mais nobre: A poetisa Cecília Meirelles concebeu e instalou no Pavilhão, em 1934, a primeira biblioteca pública infantil do Brasil, que, além do acervo e da sala de leitura, permitia às crianças terem cursos e praticarem sozinhas atividades de cartografia, desenho, música, jogos, etc. Infelizmente, a pioneira biblioteca infantil teve vida curta, sendo fechada em 1937, com o Estado Novo.
Após o fechamento da biblioteca de Cecília Meirelles, o Pavilhão chegou a funcionar como um posto para pagamento de tributos e depois fechou.
Em 1952, em mais um daqueles surtos de demolição que de vez em quando acometem os governantes cariocas, o Pavilhão Mourisco foi demolido, supostamente para permitir a construção do acesso ao Túnel do Pasmado. Ocorre que, exatamente no local onde ficava o Pavilhão, foi construído, já no final dos anos 90, o horrendo Centro Comercial Mourisco, um prédio bem maior. Resumo: tudo indica que, da mesma forma como ocorreu com o Palácio Monroe, a demolição do Pavilhão era desnecessária.
O filme passa então a mostrar a Praia de Copacabana e, assistindo o trecho, o leitor poderá perceber como, no espaço de apenas 4 anos, a paisagem da orla mudou em relação ao filme da família estrangeira de 1928: já há vários prédios de apartamentos em estilo art-decó, os quais permanecem até hoje.
A câmera detém-se na cena de uma menina branca, de maiô vermelho, sentada no colo de uma babá ou empregada negra uniformizada e o texto da narração em inglês, sem fazer caso da nítida distinção social marcada pela cena, afirma:
“Como na maioria dos países da América do Sul, a cor da pele nem sempre determina a posição social de alguém. De fato, as linhas das cores raciais parecem tão pouco demarcadas que ele (o Brasil) tornou-se um santuário de tolerância para todas as raças“.
Como a desdizer a rósea constatação do narrador, logo a seguir à visão dos banhistas na praia (bem mais cheia que nas cenas de 1928), a câmera mostra uma menina negra, com a camisa toda esfarrapada, provavelmente uma trabalhadora da areia praiana ou filha de pescador, descansando em um cesto de palha).
A parte final do filme mostra o que já devia ser um dos souvenires mais típicos do Rio: os quadros , pratos e bandejas com desenhos feitos com asas de borboleta. Faz muito tempo que não vou a Copacabana, mas até uns 25 anos atrás, ainda era comum as lojinhas, como a mostrada no filme, que vendiam esses objetos. O filme mostra o processo de fabricação do souvenir, que é chamado de “butterfly industry”.
15) Filme “Rio, the Magnificent”, de 1932
Também é um documentário da mesma série norte-americana “Traveltalk”, do mesmo James Fitzpatrick, do filme anterior. Porém, desta vez, o filme é em preto-e-branco, mas o texto é praticamente idêntico; já as imagens são diferentes, embora a sucessão delas seja parecida.
O filme também começa com a visão do Pão de Açúcar enquanto o navio entra na Baía de Guanabara. Depois, o navio cruza com um dos dois encouraçados brasileiros da época, o Minas Gerais ou o São Paulo, fundeados na altura da Ilha das Cobras.
A próxima cena é valiosa: uma vista da Praia do Flamengo, com os edifícios Guinle e Seabra, este construído em 1931, e apelidado por muitos de “Dakota” carioca (O edifício Dakota, na frente do Central Park, em Nova, que ficou famoso como a locação do filme “Bebê de Rosemary” e tem um estilo arquitetônico semelhante). Podemos ver que a faixa de areia da praia é estreita e a praia está bem cheia. Mais ao fundo, na mesma calçada dos outros dois prédios, está o prédio do luxuoso Hotel Central, construído em 1915/1916 e demolido em 1951. No terraço do hotel havia um restaurante embaixo de um pergulado que tinha uma vista magnífica. Nos seus primeiros 25 anos, o estabelecimento funcionava como um hotel-balneário, procurado por turistas que podiam se banhar na Praia do Flamengo.
O Rio então tinha três grandes hotéis à beira-mar de categoria: Copacabana Palace, Hotel Central e Hotel Glória, que se espelhavam nos existentes nos balneários de Nice e Cannes, na Côte D’Azur. Havia também, no Centro, o chique Palace Hotel, que atendia mais aos homens de negócio e políticos.
Novamente, vemos cenas de banhistas, agora na Praia do Flamengo, porém, o texto sobre igualdade racial é melhor ilustrado, com a imagem de crianças brancas e negras brincando juntas e mergulhando de umas pedras.
A Avenida Beira-Mar, como aparece no filme, é de fato um boulevard maravilhoso, onde, fazendo-se jus ao nome, é possível caminhar em “uma promenade de mármore”, colada ao mar.
Há mais uma cena do Canal do Mangue e suas palmeiras imperiais. Na pista da direita, vemos passar um “chope duplo”.
Passamos para outra tomada da Praça Floriano na Cinelândia, que, como no outro filme, está um brinco. Nessa tomada, diz o texto:
“O período de 1902 a 1906 testemunha uma transformação maravilhosa do velho para o novo Rio. Um projeto abrangente, tão audaciosamente concebido e brilhantemente executado, que dificilmente há algum marco do velha cidade que tenha permanecido para ser visto no Rio de hoje. Talvez a mais ímpar característica das ruas limpas e espaçosas do Rio seja o trabalho de mosaicos que adornam as suas calçadas. Quase todo quarteirão tem o pavimento com seu padrão de mosaicos tão individualmente desenhado que alguém pode traçar o seu percurso pela cidade apenas apenas familiarizando-se com eles.“
Corte para uma tomada da Rua do Ouvidor, tão ou mais cheia de transeuntes do que nos dias atuais.
A próxima tomada, contudo, acaba tornando-se lamentável: após mostrar um vendedor de macacos na rua, que traz amarrado um macaco-prego, a câmera foca em uma menininha negra, que é levada pela mão por uma adulta branca, claramente tentando fazer um abjeto e revoltante paralelo racista. Será que James Fitzpatrick estava sendo sincero no filme anterior, em que parecia aprovar o “santuário de tolerância”?
O filme então passa para mostrar um páreo no Hipódromo da Gávea. Ao fundo podemos ver os ainda esparsamente povoados bairros da Lagoa e de Ipanema.
Da mesma forma que o anterior, o filme termina com a “Indústria de Borboletas” e seus souvenires (notar a beleza das moças que trabalham produzindo as peças). As imagens finais são do passeio do Bondinho do Pão de Açúcar e da Praia de Copacabana.
16) Filme “Rio Antigo – Copacabana”, provavelmente do início dos anos 1930
O link para este filme está no canal do Brucecarioca no youtube.
Segundo a descrição, o material foi filmado por Gordon H. Parker, um canadense que veio morar no Rio como empregado da Light, em 1928. Décadas depois, o filme teria sido descoberto e, inicialmente, passado para o formato de vídeo VHS, e, depois, para meio digital, o que acarretou a perda da qualidade das imagens.
Embora o filme esteja datado como do ano da chegada de Gordon ao Rio, claramente as cenas são do início dos anos 1930, como demonstraremos no decorrer dos nossos comentários.
Na minha opinião, é um dos filmes mais valiosos desta nossa seleção, pois o cinegrafista preocupou-se em registrar inúmeros tipos de comércio e vendedores de rua. Se a película ainda existir, seria fundamental que fosse localizada e restaurada.
Após uma panorâmica da orla de Copacabana, já com vários edifícios de apartamentos, mas ainda entremeados por muitas residências unifamiliares. Depois, Gordon filma vários aspectos de uma feira-livre no bairro.
Depois, podemos ver, ainda na parte inicial do vídeo, vários ambulantes nas ruas internas de Copacabana e nas calçadas, como um vendedor de galinhas vivas, transportadas em um burrico, e também um elegante leiteiro trajado com um jaleco branco e que na época devia ser de vanguarda, pois vendia o seu leite em uma caminhonete motorizada com torneiras para encher os sacos que as consumidoras levavam. Muitos iam de porta em porta, e as casas têm belos jardins. A paisagem interna de algumas ruas é dominada pelos morros internos do bairro, hoje ocultas pela floresta de edifícios.
Ainda podemos ver, nas próximas tomadas o Morro do Inhangá ao lado do Copacabana Palace, então sabemos que o vídeo é anterior a 1934. Em seguida, são feitos close-ups de vários edifícios em estilo art-decó, alguns com mais de 10 andares. Pelo estilo e quantidade, não devem ser anteriores a 1930. Na próxima tomada, vemos um belo prédio baixo em art-decó, junto a areia, com canoas na frente, aparentemente um clube ou entreposto ligado à pesca, ainda não pesquisei. E depois, aparece pronto ou quase pronto, o belíssimo edifício art-decó do Cassino Atlântico (no local onde seria construído o shopping do mesmo nome e o Hotel Rio Palace), que foi inaugurado em 1934. Portanto, a data do filme (ou pelo menos deste trecho) deve se situar entre 1933 e 1934.
Aos 8m09s de filme, são filmados banhistas, deixando a sua bela residência, após fechar o portão, devidamente trajados com roupa de banho e levando seu guarda-sol. Nossa, que inveja! Rsrs. E aos 8m15s uma cena raríssima: os primeiros postes de vigia para salva-vidas, precursores dos postos art-decó que em breve seriam construídos em seu lugar, em 1937 (vide 2ª foto abaixo) e que depois seriam substituídos pelos horrendos exemplares atuais nos anos 70. Segundo a página “Copacabana em foco”, os postes salva-vidas que aparecem no filme e na 1ª foto abaixo foram construídos em 1929, e, portanto, ajudam a precisar ainda mais a data de nosso filme
As próximas cenas são tomadas do Posto 6, onde podemos ver os barcos dos pescadores e depois diversas tomadas de banhistas, inclusive praticando esportes. Todas essas imagens nos mostram que, no início dos anos 30, a cultura praiana carioca já estava firmemente estabelecida. E também vemos que a pesca em Copacabana era boa: diversos pescadores, unidos, puxam uma rede, que vem cheia de peixes. Os ambulantes da areia, igualmente são mostrados e já começam a se assemelhar aos de hoje.
17) Filme travelogue do Sikorsky S-42 “Brazilian Clipper” da PanAmerican Airlines, em 1934.
Este filme parece ser um comercial da PanAmerican divulgando seu vôo de hidroavião na rota entre os EUA e o Rio de Janeiro.
As primeiras cenas são do hidroavião Sikorski S-42 “Brazilian Clipper “e seu sobrevôo sobre as praias do Flamengo e orla da Glória, com destaque para a Praça Paris, culminando com uma espetacular aterrisagem na Baía de Guanabara, próximo à Ilha Fiscal.
Depois temos um close da Praça Paris, com seus jardins sempre impecavelmente cuidados. É dado bastante destaque, na próxima cena, ao esporte do iatismo, com belos veleiros singrando as águas. Segue-se um take do Pão de Açúcar, onde podemos, aos 1m50s de filme, ver que havia um letreiro enorme da Goodyear afixado na rocha do Morro da Urca, para ser visto da Enseada de Botafogo (este felizmente não sobreviveu).
A cena seguinte, da viagem no Bondinho do Pão de Açúcar nos permite datar com certa precisão o filme: aos 2m14s aparece o prédio da Escola Militar da Praia Vermelha (vide foto abaixo), que foi demolido em 1936, após ser muito bombardeado durante a Intentona Comunista de 1935. O primeiro vôo do Brazilian Clipper para o Brasil foi em agosto de 1934, quando foi batizado por Darci Vargas, esposa do Presidente Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro. Portanto, eu presumo que esse filme deve ser da época do lançamento dessa rota para o Rio de Janeiro, em 1934.
Aos 3m17s, há uma bela tomada panorâmica do interior e da orla de Copacabana, onde podemos ver os já citados morros que desapareceram ou foram completamente envolvidos por prédios, e aos 3m24s uma sensacional vista de Ipanema tomada, provavelmente, da rua Francisco Otaviano.
Curiosamente, o filme termina dando atenção às cobras e serpentes da fauna brasileira e uma cena no Instituto Butantã, em São Paulo
18) “Rio de Janeiro”, filme da série “Screen Traveler”, de André de La Verre, de 1938.
Trata-se de outro curto documentário do mesmo tipo dos “Travel talks” já comentados.
Inicia-se com uma tomada da calçada da Avenida Beira-Mar, mirando o Pão de Açúcar. Depois, o documentário foca na viagem no Bondinho do Pão de Açúcar, mostrando panorâmmicas de Copacabana, Botafogo e Flamengo. Vale a pena notar, aos 2m14s do vídeo, o Morro da Viúva, antes da construção dos inúmeros prédios que hoje bloqueiam inteiramente a sua visão e também antes da construção do Aterro do Flamengo .
Aos 2m30s de filme vemos uma bela e ampla tomada do Centro do Rio de Janeiro, onde podemos notar a grande quantidade de edifiícios na Avenida Rio Branco, e alguns na recente Esplanada do Castelo, resultante da demolição do Morro do Castelo, e, ainda, como o Edifício “A Noite” ainda se sobressaía como o mais alto da Cidade,
Posteriomente, há uma ótima tomada do Porto do Rio de Janeiro e da Ilha das Cobras, e podemos ver um imponente transatlântico fundeado na Baía, talvez o “Queen Mary”, seguida de uma vista da Avenida Rio Branco até o Palácio Monroe com o Pão de Açucar por trás.
Temos, depois, uma tomada da Praça Paris, com o relógio da Mesbla, o Palácio Monroe e os prédios do Centro ao fundo. Sem dúvida, os primorosamente cuidados jardins da Praça continuavam atraindo as atenções dos estrangeiros. Note-se que já não se vê o Cassino Beira-Mar, demolido em 1936. Mas o esqueleto do edifício do Ministério da Educação em construção pode ser visto, aos 3m34s de filme, exatamente atrás da Estátua do Marechal Deodoro da Fonseca, que recentemente foi palco de mais um atentado ao patrimônio histórico e cultural de nossa cidade, o furto da estátua da mãe do general, pesando 400 kg!
( Tânia Rego/Agência Brasil e Wikimedia Commons)
19 ) Filme colorido sobre o Rio de Janeiro, datado de 1938-1939.
O filme a cores contém cenas do Rio de Janeiro ao qual se atribui a data de 1938-1939. A versão que obtivemos do youtube tem um áudio moderno (chato), simulando conversas de cariocas. Os carros, prédios e vestuário são compatíveis com a data apontada na descrição.
A primeira cena mostra os efeitos de uma ressaca na Praia de Copacabana, com muita areia na pista da Avenida Atlântica, que só seria duplicada no início da década de 1970, durante o governo do penúltimo governador do Estado da Guanabara, Negrão de Lima. A orla de Copacabana já conta, então, com vários edifícios de apartamentos, bem mais parecida com o que vemos hoje, mostrando como, no espaço de dez anos, houve um boom imobiliário que modificou completamente a sua aparência.
A próxima tomada é da Avenida Beira-Mar, da altura onde atualmente está o Monumento aos Mortos da 2ª Guerra, no Aterro do Flamengo, que obviamente ainda não existia, e a câmera abrindo para uma panorâmica da Glória, do Russel e do Pão de Açúcar. Em seguida vemos os belíssimos e muito bem cuidados jardins da Praça Paris. Podemos perceber que o trânsito de automóveis na região já é bem intenso.
O filme a seguir mostra uma tomada do final da Avenida Rio Branco, vendo-se em destaque o Palácio Monroe, feita de algum edifício na altura do Teatro Municipal, à esquerda do mesmo. A seguir, vemos alguns prédios em estilo art-decó e modernista, bem como a lateral do prédio da Biblioteca Nacional, com o Pão de Açúcar ao fundo. Outra breve tomada a partir do mesmo local mostra o bairro de Santa Teresa com o Corcovado ao fundo. Depois, uma nova tomada do Pão de Açúcar, com o bairro da Urca a seus pés, já com alguns edifícios.
Há, depois, um close em uma interessante residência de estilo muito peculiar, com uma alta torre, parcialmente coberta de hera. Aparentemente, ela se situava em Botafogo, pois a próxima tomada é do Corcovado, visto de uma rua que muito provavelmente é a Rua São Clemente. Em seguida, vemos os impecáveis jardins de canteiros que devem ser os da Praia de Botafogo.
O cinegrafista retorna, então, para a Praia de Copacabana, focando nos frequentadores.
As cenas finais são da Estrada do Corcovado, e, depois, um corte súbito para o tradicional passeio no Bondinho do Pão de Açúcar.
20) Filme sobre o Rio, datado dos anos 40
Trata-se de um filme norteamericano do início da década de 1940, que faz parte do arquivos da Huntler’s Archives. O estilo da narrativa é o mesmo dos “Traveltalks”. o material não está em muito bom estado e merecia uma restauração, pois mostra muitas paisagens interessantes e as mudanças que ocorreram em relação às décadas anteriores. Infelizmente, muitas dessas empresas que obtém e arquivam imagens com finalidades comerciais têm o péssimo hábito de colocar o seu logo em todo o filme, prejudicando a visão, pelo que pedimos desculpas.
O filme começa com uma tomada panorâmica da enseada de Botafogo, Lagoa Rodrigo de Freitas, Copacabana e Ipanema, filmada provavelmente do Corcovado,
Depois, há uma breve tomada do interior da Baía, onde podemos ver ancorados provavelmente o cruzador Bahia e um encouraçádo da classe Minas Gerais. As próximas cenas são do porto do Rio.
Em seguida, vemos uma rara cena mostrando a chegada de um hidroavião quadrimotor e o desembarque dos passageiros na Estação de Hidroaviões, inaugurada em 1937, e que hoje fica dentro da área do III COMAR. Esta estação foi desativada em 1942, o que permite maior precisão na datação deste filme. Ao fundo dessa tomada, vemos as instalações do Arsenal de Marinha, na Ilha das Cobras.
Ainda sobre a Estação de Hidroaviões, vale observar que ela é um dos primeiros exemplos de arquitetura modernista no Rio de Janeiro e, por isso , o prédio é tombado. Inserimos o vídeo abaixo, do INCAER, comemorativo dos 80 anos do edifício.
Depois, vemos mais um close da pista do Aeroporto Santos Dumont, cujo terminal de passageiros somente seria inaugurado em 1945. Ao fundo, podemos ver com detalhes a Escola Naval, no prédio que foi inaugurado em 1938 e existe até hoje.
O filme prossegue com uma tomada do Terminal Marítimo Touring Club do Brasil, já na Praça XV, onde é mostrado um café sobre cujas mesas podemos ver um retrato do Presidente Getúlio Vargas.
A seguir temos um belo take da Avenida Rio Branco, ainda com muitos dos prédios originais, terminando por mostrar a Praça Floriano, com a então Sede do Supremo Tribunal Federal, agora Centro Cultural Justiça Federal, à esquerda.
Alguns desses cinedocumentários dos anos 30 e 40 mencionam a existência de uma lei que proibía que se circulasse pela Avenida Rio Branco e seus arredores sem paletó. Embora eu não tenha conseguido achar nem o número ou o texto dessa lei, o fato é mencionado em livros (vide “Dispositivos urbanos e trama dos viventes: ordens e resistências”, pág. 262). Eu acredito que isso seja verdade, pois em todos esses filmes que eu já comentei, do período, efetivamente não se vê nenhum homem adulto sem paletó.
Sobre esse aspecto do Rio Antigo, posso contar uma experiência pessoal da minha infância, nos anos 70: Eu morava em Santa Teresa com minha mãe. Quando ela queria fazer alguma coisa que demandasse ir ao Centro do Rio, como por exemplo, ir na Mesbla, ao banco, alguma repartição pública ou mesmo passear, ela dizia: “Se arruma que nós vamos ao Centro!“. Porém, quando saíamos para fazer alguma coisa em Santa Teresa mesmo, não me lembro dela dando essa instrução…
Outras tomadas do Centro, vizinhas à Rio Branco e ao Castelo mostram já uma grande concentração de edifícios altos, e a paisagem urbana já é bem mais similar a que conhecemos hoje. Essa parte finaliza com um flash do relógio da Mesbla e uma tomada mais demorada do Palácio Monroe, e um resumo da história do prédio.
A cena seguinte mostra a Praça Cuautemoc, no Flamengo, onde até hoje está o monumento que deu nome à praça, a estátua do último imperador asteca, que foi presenteada à cidade pelo Mèxico, em 1922, como homenagem ao Centenário da Independência do Brasil (notar que o primeiro prédio atrás da estátua, na foto abaixo, já na esquina da Avenida Oswaldo Cruz, ainda existe e é um dos três únicos, junto com o Castelinho do Flamengo e aquele no qual foi instalada a Casa de Cultura Julieta de Serpa, que restam das construções ecléticas da Praia do Flamengo).
Depois da Praça Cuatemoc, aparece um raríssimo close da mansão onde ficava a Embaixada dos Estados Unidos no Brasil, que ali funcionou até 1952, quando foi inaugurado o prédio onde hoje é o Consulado -Geral dos EUA no Rio de Janeiro, na Avenida Presidente Wilson.
A próxima tomada, aos 3m53s do filme, parece quase inacreditável para os cariocas de hoje, praticamente como se a cidade tivesse existido em outra dimensão…
Vemos um guarda, impecavelmente uniformizado, vestido como se fosse um soldado inglês nos trópicos, dirigindo o trânsito na Avenida Beira-Mar.
Depois desta tomada, novamente é o Canal do Mangue que merece destaque do cinegrafista.
A seguir é mostrada a Praia de Copacabana, já praticamente tomada pelos prédios que existem hoje, salvo algumas exceções, e as atividades esportivas dos banhistas, notadamente o vôlei de praia. Nota-se que a cultura praiana carioca já está totalmente enraizada. Por sua vez, somente falta a duplicação da pista e a construção dos canteiros centrais com mosaicos de Burle Marx para que a Avenida Atlântica adquira a aparência que tem hoje.
Aparentemente, a piscina que aparece a seguir é a do Copacabana Palace, antes da construção do anexo do hotel e do Edifício Chopin. Os leitores que saibam precisar podem ajudar na identificação.
A próxima parada é a Urca e aparecem remadores que aparentemente saem do Iate Clube do Rio de Janeiro.
O filme a partir das cenas imediatamente mencionadas acima agora foca nos esportes. Vemos hipistas na Hípica da Lagoa e jogadores de golfe no Gávea Golf Club, cujo field foi inaugurado em 1926.
A jornada pelos esportes cariocas termina com flashes de uma partida de futebol no Estádio das Laranjeiras.
Para terminar o filme, não poderiam faltar as obrigatórias visitas ao Pão de Açúcar e ao Corcovado. Neste último, temos uma tomada que nos permite datar com mais precisão ainda o filme: Aparece o mirante de ferro fundido chamado de “Chapéu de Sol“, que foi demolido em 1942.
Portanto, nosso filme não pode ser anterior a 1938 e não pode ser posterior a 1942. Comparando-o com os outros filmes e observando os modelos de carros e as roupas, acredito em uma datação provável entre 1940 e 1941. Note-se que não são vistos automóveis com kit de gasogênio, que só começam a circular amplamente a partir de 1942, como o racionamento de gasolina em função da 2ª Guerra Mundial.
21) Filme “Rio 1945”
Trata-se de um coletânea de trechos de filmagens das ruas do Rio com foco nos bondes.
Há muitas cenas urbanas de bondes, automóveis, variados veículos e de transeuntes.
Trechos interessantes, destaco: aos 1m20, que mostram a região da Praça Tiradentes e um close do Teatro João Caetano, o mais antigo do Rio, em sua versão art-decó, que durou de 1928 até 1965 (vide foto abaixo); entre os 5m10 e 6m, onde a câmera segue o bonde que passa aparentemente na Rua do Riachuelo ou pela Avenida Mem de Sá e passa em baixo de uma das arcadas dos Arcos da Lapa; aos 8m26s o cinegrafista cruza com um trolley-bus (trólebus), veículo que muitos cariocas ignoram que já fez parte do rol de modais cariocas, mas que ainda resiste em São Paulo. Aparentemente, essa cena ocorre em Botafogo, ao lado do Cemitério João Batista. O sistema de trólebus foi implantado no Rio em 1962, portanto, esse trecho do filme não pode ser anterior a esta data. Mas a parte inicial do filme parece mesmo ser de meados dos anos 40. A partir dos 9m10s vemos o Monumento aos Mortos na 2ª Guerra Mundial, inaugurado em 1959.
Em resumo, o filme parece ser uma montagem amadora de alguns filmes focados nos bondes, talvez extraídas de um documentário. A qualidade não é boa e se esse for o estado em que os filmes originais se encontram, com certeza eles merecem ser restaurados, pois o cotidiano viário dos anos 40 a 60 neles retratado é valioso.
22) Cenas do filme “Interlúdio” (Notorius), de Alfred Hitchcock, rodadas no Rio, em 1946.
Para mim, é inacreditável que se fale tão pouco aqui no Brasil sobre este filme noir de Hitchcock, ambientado no Rio de Janeiro, e que frequentemente é escolhido entre os 100 melhores filmes de todos os tempos por várias revistas especializadas.
O filme, estrelado por Cary Grant e Ingrid Bergman, foi rodado nos estúdios da RKO, em Los Angeles, mas uma equipe veio ao Rio para gravar cenas da cidade. Posteriormente, as cenas foram incluídas no filme, em alguns casos projetadas atrás dos atores, que gravavam na RKO.
É uma trama romântica, que se passa dentro de uma estória de espionagem, onde agentes americanos vêm ao Rio para investigar uma organização de nazistas que fugiram para o Brasil após o fim da Segunda Guerra Mundial.
Ingrid Bergman está nesta película realmente no auge da sua beleza, e atrai tanta ou mais a nossa atenção que as belezas do Rio de Janeiro.
Logo nas primeiras cenas, vemos tomadas aéreas do Rio, sobrevoado pelo DC-3 da Panamerican Airlines que traz os protagonistas. Há um belo take de Ipanema em primeiro plano, seguida por Copacabana e, já na região portuária, podemos ver brevemente, no campo inferior esquerdo da tela, o Campo de São Cristóvão, antes da construção do Pavilhão de São Cristóvão.
Depois, o avião sobrevoa o Cristo Redentor, o que mostra que não houve muita preocupação em seguir o que seria uma reprodução realista da aproximação de um avião de carreira que fosse aterrisar no Rio naquele período (algo comum em filmes ambientados no Rio, vide “007 e o Foguete da Morte). A câmera segue com uma panorâmica do bairro de Botafogo, ainda ocupado quase que somente por casas.
A seguir uma vista tomada de algum prédio alto, da Avenida Rio Branco. O prédio mais alto em estilo eclético, do lado direito da Avenida, que aparece por detrás da cúpula do Museu Nacional de Belas Artes é o Palace Hotel, empreendimento hoteleiro de propriedade, assim como o Copacabana Palace, de Otávio Guinle, e que foi construído em 1908 e demolido nos anos 50, para erguer-se no terreno o Edifício Marquês do Herval, que lá está até hoje.
Depois vemos cenas da Praça Floriano, e a câmera foca, quase com toda a certeza, no célebre restaurante Verdinho, onde, já em cenas de estúdio, Grant e Bergman aparecem sentados conversando e tomando um refresco.
As próximas cenas são em Copacabana, onde vemos uma panorâmica da praia e um belo conversível Cadillac 1945 entrando em uma transversal, conduzido por Grant com Bergman ao seu lado, agora já em cenas de estúdio . Infelizmente, não consigo ler o nome da placa da rua, mas não deve ser difícil para quem saiba ampliar a imagem corrigindo a definição. O apartamento tem uma varanda (cenográfica) com uma espetacular vista da Praia de Copacabana (filmagem real), que obviamente convida para uma cena com um beijo romântico do casal.
Depois, os protagonistas vão assistir os páreos no Hipódromo da Gávea e, à noite, vão a uma recepção em uma mansão totalmente fictícia, situada no alto de um morro, com vista para um cenário, também inventado, de um bairro praiano carioca,
No dia seguinte, Grant e Bergman aparecem sentados em um banco de praça, com cenas da Praça Floriano projetadas atrás deles, em que podemos ver ao fundo o Palácio Monroe e o Pão de Açúcar por detrás. Há várias imagens da Praça Floriano em detalhes, e, em uma delas, podemos ver a silhueta do Theatro Municipal. Os jardins, observe-se, continuam impecáveis.
Seguem-se cenas de um passeio no Cadillac até algum mirante próximo ao Silvestre, Paineiras ou Corcovado, onde o casal aprecia a Enseada de Botafogo.
A última tomada desta coletânea de cenas de “Interlúdio” é do Palácio Pedro Ernesto, na Praça Floriano.
Apesar de constantemente distraído pela beleza da Ingrid Bergman, achei essas cenas do Rio sensacionais!
23) Trecho de filme intitulado “O Rio e suas Calçadas – Anos 30/40”.
Trecho de filme curto, focando nos mosaicos de pedras portuguesas das calçadas do centro do Rio. Acredito que o filme seja de meados da década de 1940, tendo em vista a quantidade de prédios que aparece em uma tomada da Avenida Rio Branco. Podemos, inclusive, ver ao fundo o prédio do Palácio Gustavo Capanema, sede do Ministério da Educação, concluído em 1943.
24) Documentário curta-metragem “Carioca Carnival”, de 1955
Documentário “movietone” em Cinemascope, da 20th Century Fox, sobre o Carnaval Carioca.
O filme começa com cenas aéreas da cidade do Rio de Janeiro, inclusive uma muito interessante de Ipanema e Lebolon, tomadas de um DC-6 da PanAm.
Há cenas muito boas do trânsito na Avenida Presidente Vargas e imagens de prédios representativos do Centro do Rio. Destaque para os Palácios Monroe e Gustavo Capanema.
Depois, vemos cenas filmadas de dentro de um veículo se deslocando para as praias, passando por Botafogo, pelo Túnel Novo.
Seguem-se belas cenas da Praia de Copacabana, e, depois, da pérgula do Copacabana Palace, com um desfile da moda carioca.
Mas o mais interessante são as cenas do carnaval do povo nos blocos na Avenida Rio Branco, seguidos por imagens do desfile das escolas de samba. As cenas carnavalescas terminam com o baile de carnaval da elite no Teatro Municipal.
As imagens finais são aéreas do Pão de Açúcar.
COMENTÁRIO FINAL
Querido leitor, eu tive muito trabalho em compilar esses filmes e pesquisar sobre as imagens. A minha única motivação foi o amor que eu sinto pela cidade onde eu nasci e cresci. Se você gostou deste artigo, a única coisa que peço é curtir, acrescentar alguma informação útil nos comentários, compartilhar, e nos dar o crédito devido caso ache por bem citá-lo.
Em 18 de junho, há 205 anos atrás, travou-se a Batalha de Waterloo.
Eu tive o privilégio de poder conhecer o campo de batalha de Waterloo, considerado um dos mais bem preservados que existem, exceto pela colina artificial comemorativa conhecida como Butte de Lion. O lugar fica nos subúrbios de Bruxelas, e hoje, como em 1815, é constituído de um conjunto de campos arados que fazem parte das mesmas fazendas que existiam na ocasião, e que continuam, como então, produzindo cereais!
Dessa vez, vou poupar os leitores de narrativas detalhadas sobre a Batalha, que já devem ter tido a oportunidade de ler em livros e outros textos.
Mas é interessante recordar o conflito enfocando três personagens fundamentais que, a meu ver, recebem pouca atenção no noticiário da grande imprensa atual, ao menos nas postagens e artigos que eu li: o terreno, o clima e o Duque de Wellington, que fez uso magistral dos dois primeiros.
Compreende-se que Napoleão seja o centro das atenções quando se fala sobre a Batalha de Waterloo, afinal, não é a toa que a série de conflitos da qual esta batalha foi o fecho é chamada de “Guerras Napoleônicas”, já que além de ele ser, indiscutivelmente, um dos maiores generais de todos os tempos, à altura de um Alexandre, Aníbal ou César, Bonaparte influenciou toda a politica européia na 1ª metade do século XIX, consolidando a Revolução Francesa e espalhando através da Europa os ideais revolucionários. A figura de Napoleão, contudo, é controversa, e quem lê a imprensa anglofônica percebe que “o Corso” recebe um tratamento parecido como o que é dado a Hitler ou Stálin.
Mas vamos falar dos nossos temas…
Quando Napoleão escapou da Ilha de Elba e reassumiu o trono francês, imediatamente o Reino Unido, a Prússia a Rússia e a Áustria formaram a chamada Sétima Coalizão com o objetivo de derrotá-lo.
A estratégia de Napoleão para lidar com o esperado ataque era simples: avançar o mais rápido possível e derrotar, isolada e sucessivamente, o exército britânico e o prussiano, que já estavam no território holandês ( a Bélgica ainda não existia), antes que ambos pudessem se unir e, depois,sendo bem sucedido, enfrentar os exércitos russo e austríaco, caso estes não fossem dissuadidos de combater devido a derrota dos primeiros.
A primeira manobra de Bonaparte foi parcialmente bem sucedida, pois, em 16//06/2015, ele conseguiu derrotar, ainda que não completamente, o exercito prussiano comandado pelo Marechal Blücher, em Ligny, obrigando os germânicos a se reagruparem mais ao Norte.
A derrota dos prussianos levou o comandante do exército britânico, o Duque de Wellington, a ordenar uma retirada de suas tropas para uma posição defensiva em Waterloo.
SirArthur Wellesley, criado Duque de Wellington em recompensa ao seu desempenho notável na campanha das Guerras Peninsulares, que expulsaram os franceses da Península Ibérica, era um irlandês de família protestante ( embora conste que ele não gostava de ser identificado como irlandês).
Curiosamente, Wellington, chegou a morar, na adolescência, em Bruxelas, pois não se adaptou ao aristocrático colégio de Eton. e isto também devido ao falecimento do seu pai, o que deixou a família em dificuldades financeiras.
Anos depois da Batalha, soube-se que Wellington havia estado em Waterloo, cerca de um ano antes, e comentado que aquele terreno era excepcional para uma posição defensiva.
Com efeito, os campos de Waterloo são levemente ondulados, embora se estendam por vários quilômetros. Assim, um exército atacante, embora se sinta confortável em avançar, não consegue ver as formações inimigas dispostas nas partes mais baixas do terreno. Além disso, essas ondulações protegem os defensores da barragem de artilharia, sendo que na época, normalmente as balas dos canhões iam rolando pelo terreno e atingindo a infantaria no chão.
Outro fato que beneficiou o “exército britânico” (vale observar que, dos 67 mil homens de Wellington, somente 25 mil eram britânicos, sendo os demais belgas, -holandeses e oriundos de principados alemães) foi a forte chuva que caiu na véspera da batalha.
Isso prejudicou os franceses duplamente: a sua superioridade em cavalaria não pôde ser explorada ao máximo, pois o terreno ficou lamacento e isto não apenas prejudicou o avanço dos cavalos, mas, também, a “Grande Canhonada“, a tática de emprego massivo de artilharia com a qual Napoleão costumava iniciar os combates, pois as balas disparadas dos canhões franceses enterravam-se na lama, sem causar muitas baixas.
Assim, linhas e mais linhas de cavaleiros franceses avançavam em direção às formações inimigas, que, ocultas pelas ondulações do terreno, dispostas em formações defensivas em quadrado, com linhas de três homens com baionetas., não podiam ser vistas. Os cavalos, quando, subitamente, viam as baionetas da infantaria de Wellington aparecerem repentinamente em cima deles, estacavam. E os cavaleiros eram presa fácil da barragem de fogo cruzado.
Mesmo sofrendo essas desvantagens, a batalha oscilou muito, devido ao ardor e tenacidade dos homens de Napoleão, e somente a chegada das tropas prussianas de Blücher assegurou a vitória dos aliados, com a debandada dos franceses.
Consta que uma unidade da Guarda Imperial de Napoleão chegou a ter 96% de baixas e que outra, instada a se render, respondeu:
“La Garde meurt, elle ne se rend pas!”(A Guarda morre, ela não se rende!)
Napoleão (que segundo historiadores estava enfermo durante a Batalha, fato que explicaria muitos dos seus erros de julgamento e uma certa postura passiva durante o combate), quando se deu conta da derrota, deixou apressadamente o campo de batalha, chegando a ter que abandonar sua carruagem e galopar à toda em seu fiel cavalo branco, para não ser capturado.
Wellington e Blücher se encontraram finalmente na mesma noite. Segundo o general britânico, Blücher o saudava dizendo: “Quelle affaire“, acabando por deixar nele a impressão de que todo o conhecimento que o prussiano teria de francês se resumiria a essa frase…
Logo após a Batalha, o campo onde ela foi travada virou uma atração turística.
Em 1820 foi construída uma colina artificial (onde eu apareço nas fotos), que recebeu o nome de Butte de Lion, por causa da estátua de leão que a encima. Ela permite uma boa visão de todo o terreno, mas foi considerada, pelo próprio Wellington, segundo Victor Hugo, uma alteração indevida. Consta que o Duque teria dito:
“eles alteraram o MEU campo de batalha”
Cerca de 40 mil homens, e dez mil cavalos, morreram em Waterloo.
O desfecho da Batalha de Waterloo teve um impacto decisivo na geopolítica europeia e, em boa parte, estabeleceu um status quo no continente que perdurou até a Primeira Guerra Mundial: A Inglaterra emergiu do conflito como a maior potência mundial; colocou-se um freio na exportação da Revolução Francesa (muito embora os seus ideais continuassem ecoando e algumas de suas conquistas nos campos político e legal continuarem a se espalhar pelo mundo); firmou-se a Santa Aliança entre a Prússia, o Império Austro=Húngaro e a Rússia, um bastião conservador e reacionário.
A redução da supremacia militar e política da França no continente europeu propiciaria, em alguma décadas, a unificação da Alemanha. O arranjo de interesses decorrente da derrota de Napoleão assegurou considerável estabilidade na Europa: o único conflito militar sério entre as potências europeias depois de Waterloo foi a Guerra da Criméia, entre 1853 e 1856 que foi travada no Mar Negro, bem distante da parte ocidental do continente, sem alterar muito a correlação de forças continental, exceto pelo enfraquecimento da Rússia. Depois disso, haveria a Guerra Franco-Prussiana, em 1870-1, que chancelou a inevitável unificação da Alemanha.
O Dia-D, o desembarque aliado nas praias da Normandia que abriu um novo front e selou o destino da Alemanha Nazista na 2ª Guerra Mundial foi fruto de um planejamento e preparação brilhantes.
Mas o acaso, ou então o Destino (Fate) sempre parece ter uma pequena participação também…
Entre 2 de maio e 1º de junho de 1944, um professor inglês, colaborador do jornal Daily Telegraph que criava jogos de palavras cruzadas para o jornal enviou (e elas foram publicadas nesse período) testes que continham as seguintes palavras: Utah, Omaha, Overlord, Mulberry e Netuno. sendo que Utah e Omaha eram os codinomes de 2 das 5 praias onde se daria o desembarque das tropas no Dia-D, Overlord era o codinome da própria operação de invasão da Normandia, Netuno era o nome específico da operação de desembarque nas praias, e Mulberry o nome dos ancoradouros artificiais utilizados para auxiliar o desembarque dos suprimentos.
A inteligência aliada quando soube da publicação das palavras cruzadas contendo os codinomes ficou louca e o professor foi imediatamente preso. O caso foi exaustivamente investigado e a conclusão na época é que teria sido um mero acaso.
Anos mais tarde, soube-se que o professor costumava obter as palavras que ele utilizava para fazer os jogos dos seus estudantes, e que eles frequentavam um quartel militar próximo ao colégio, onde os garotos interagiam com os soldados que se preparavam para o Dia-D.
Muito tempo depois, um daqueles garotos, Ronald French, contou que ele tinha ouvido aquelas palavras no quartel!
Como dizem os americanos: “Careless talk cost lives“!
Sinceramente, poucas vezes vi tamanha dissonância cognitiva quanto esse papo de que “o Brasil vai virar uma Venezuela”.
O PT governou o país de 2002 a 2016. Nomeou 20 mil pessoas para cargos em comissão, nomeou dezenas de generais de 4 estrelas, a maior parte dos ministros do STF, chegou a ter a maior bancada na Câmara e em alguns momentos o os seus governos chegaram a ter aprovação de mais de 60% do eleitorado e nem por isso o partido conseguiu fazer qualquer alteração significativa no regime ou sistema de governo e muito menos no modelo econômico ou no modo de produção. Basicamente, toda ordem econômica, tributária e social é a mesma desde 1988, que por sua vez repete basicamente a estrutura estabelecida entre 1930 e 1967. Ao contrário, a última presidente foi afastada com relativa facilidade em um processo altamente questionável e por motivos igualmente questionáveis, abstraindo-se a sua notória incompetência.
Agora, ouve-se um monte de gente manifestando votos com a intenção de evitar que “isso aqui vire uma Venezuela”. Ora, eu acho que todo mundo tem todo direito de optar por esse ou aquele candidato, mas deveria fazê-lo por razões fundadas num mínimo de racionalidade.
Eu já fui algumas vezes à Venezuela e não há como comparar os dois países. A economia Venezuela é inteiramente dependente da produção de petróleo, que por sua vez, sempre foi, há décadas, controlada pela estatal PDVSA. Para simplificar, quem controlar o Estado, controla a PDVSA e por tabela, controla o país. Aqui, a Petrobras reveza-se na condição de maior empresa do país com outras, e a produção de petróleo, embora importante, não é a base da nossa economia, que é infinitamente mais diversificada do que a venezuelana. Já o chavismo é um movimento que nasceu no exército venezuelano, o Chavez era um coronel que pode ser equiparado a grosso modo, mais ou menos ao Luiz Carlos Prestes e aos tenentistas de 1922. Como se sabe, no Brasil, a oficialidade é conservadora e, desde a campanha da FEB, na 2ª Guerra, e os estágios na norte-americana School of the Americas, no Panamá, marcadamente pró-EUA. O risco do PT controlar o Exército Brasileiro é baixíssimo, senão desprezível.
Portanto, votar contra o PT por ser a favor do liberalismo econômico- Ok!, votar contra o PT por ser contra esquemas de corrupção do tipo Mensalão ou Petrolão – Ok!, Votar contra o PT por ser conservador e ser contra algumas pautas ditas “progressistas” no campo educacional, de costumes, de combate à criminalidade -Ok!, mas esse papo de que “vamos virar uma Venezuela” é puro terrorismo